sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Pode não parecer, mas a facilidade de comunicação instantânea é um advento bem recente da história da humanidade. Especificamente falando sobre celulares multifuncionais, computadores e internet em quase todos os lugares, toda esta realidade ainda comemora sua primeira década de existência. Para muitos, nascidos e criados com conexão direta ao plano virtual, vislumbrar contextos anteriores talvez seja uma tarefa no mínimo difícil: disquetes, k7s, Lps,...foram divindades menores, que tiveram uma importante participação neste mundo, mas que caíram com a chegada de um novo deus único. Aquele que, sendo onipotente, onipresente e onisciente, depois do tetragrammaton com seu YHVH, do pentagramaton com seu YHSVH, seguiria esta curiosa progressão, sendo então o hexagramaton dos nossos tempos, com seu G O O G L E. 

Antes dele a vida era bem mais difícil, ao menos no campo da pesquisa: era preciso se dedicar de verdade para encontrar informações sobre os temas que lhe interessavam; bibliotecas seriam seu browser, jornaleiros suas lojas virtuais, cartas seu whatsapp, e seus amigos seu site de notícias. Paciência seu loading, papel seu word, lápis seu ctrl+c e caneta seu pdf, porém, considerando no mínimo um dia inteiro para a execução de todas estes "rituais". 



Se para assuntos comuns a tarefa já não era fácil, o que dizer sobre temas de menor apelo  popular, como religião e ocultismo? 



Lembro com certa clareza das minhas idas semanais as bancas de revistas em busca de novidades. Certos assuntos eram recorrentes e já não supriam mais minhas necessidades: sociedades secretas e "TODOS OS SEGREDOS da Maçonaria finalmente revelados"...curioso é pensar que todo este sensacionalismo parece funcionar até os dias de hoje. Frustrante. Porém, um dia tudo mudou, e recebi um convite em minha casa - não de nenhuma Ordem, como eu tinha a ilusão de que um dia aconteceria, mas - para me tornar assinante de uma nova publicação da editora Abril: A Revista das Religiões! Li a sinopse e quase não acreditei: uma revista que abordava especificamente o tema religião de forma imparcial?! Devo até ter me emocionado...porém disso eu não lembro. Assinei! No mês seguinte recebi meu primeiro exemplar.


COLEÇÃO DIVINDADES é um conjunto de quatro livros publicados pela editora Abril, no ano de 2004, com 98 páginas cada, sob o título da Revista das Religiões.



O primeiro título chama-se Divindades Gregas, traz em seu prefácio a notável diferença de percepção existente do nosso ponto de vista para com o dos gregos antigos, quando tratamos seus Deuses como símbolos e sua religião como mitologia. Traz ainda apontamentos sobre os fatores possíveis para o surgimento da religião helênica, ou Helenismo, com seus cultos domésticos, e da mudança radical que marcou  o fim da era olimpiana: o advento do Cristianismo. Em sua lista de Deuses e Semi-Deuses apresentados através de suas histórias e curiosidades, destacam-se: Zeus, Hera, Hades, Posêidon, Afrodite, Dioniso, Atena, Apolo, Hermes, Héracles, Asclépio, Orfeu e Prometeu.





O segundo exemplar, intitulado como Divindades Afro-Brasileiras, aborda os tipos africanos que chegaram ao Brasil e suas misturas. Nos traz boas referências para pesquisa, que se contropõem a ignorância popular de considerar a África como um lugar único, tal qual um país, sem diferenças étnicas, religiosas ou linguísticas, que mais do que nunca, em tempos de orgulho pela ancestralidade preta, deveriam ser tratadas com muito mais rigor que se tem praticado por grupos ou pessoas em específico, que apelam para a demagogia em detimento do critério científico e histórico. Os Deuses comentados são: Exu, Ogum, Oxóssi, Omolu, Nanã, Iemanjá, Xangô, Oxalá, Iansã e Oxum.





O número três, Divindades Indianas, fala sobre o gigantesco número de adeptos da religião Hindu e as razões para, apesar de seus milhões de Deuses, esta religião também ser passível de ser considerada monoteísta. Aborda as origens históricas e sincréticas entre Drávidas e Árias, e os aglomerados de povos de compõem uma das maiores religiões do mundo. Além de curiosidades sobre os vários braços e cabeças das divindades e interessantes correlações com conceitos ocidentais, tais como a Trindade, ou Trimurti, e os novos movimentos vaishnavas. Os Deuses aqui são: Krishna, Vishnu, Shiva, Parvati, Brahma, Agni, Varuna, Indra, Kama, Ganesh e Skanda.




O último e não menos interessante, trata das Divindades Egípcias, e em seu prefácio também nos dá indicativos históricos sobre a formação do povo egípcio, e sua relação milenar com o rio Nilo. O Alto e Baixo Egito, a unificação e a formação da religião khemética, ou Khemetismo, sua adoração ao Sol, seus Deuses com cabeças de animais, o faraó como divindade encarnada, e a sucessão desses como influenciadores e modificadores não só para a religiosidade local, como para a eleição de uma divindade principal de seu panteão. Seus Deuses: Osíris, Ísis, Hórus, Rá, Seth, Amon, Hathor, Áton, Nut, Anúbis.

Como era de se esperar a revista não durou muito. Novamente recebi uma carta sendo informado que a publicação encerrava seu ciclo, e que eu poderia trocar o número de edições restantes da assinatura, por algum outro título da editora. Fiquei triste. Mas tal qual homens, espíritos e Deuses, tudo tem seu fim...mas será que este fim há de ser eterno?


por Allan Trindade





domingo, 13 de novembro de 2016

Se raros são os indivíduos nos dias atuais que possuem conhecimento sobre a existência de grimórios medievais, mais raros ainda são aqueles que cumprem o ofício de encará-los de forma crua e literal, dedicando-se na dura labuta de construir suas Armas Mágicas, investir em itens e ingredientes raros, e sacrificar sua comodidade em nome da Obra. 



Se o discurso modernista aponta para as subtrações da ritualística, com seus psicologismos e ‘positivismos’ baratos, tornando-a, em muitos casos, seca e relapsa, atraindo com sua luz artificial os olhos dos impressionáveis e efêmeros magos e bruxos de internet, são os Tradicionalistas que mantém a observância da santidade dos atos, estudos e rituais, e em Silêncio, perpetuam a Magia Cerimonial que nos é dada e herdada. 


E é neste sentimento que somos gratos àqueles que descobrem suas Coroas encapuzadas e nos presenteiam com sua experiência, através do uso consciente das tecnologias que a atualidade nos oferece, com seus livros, blogs e demais difusores de conhecimento, compartilhando instrução e inspiração para as novas gerações de magistas verdadeiramente interessadas, provando que modernização não é sinônimo de ignorância ou omissão.



[O livro a seguir é baseado no título Magus, de Francis Barrett, apresentado aqui no número anterior. Caso não tenha lido ainda esta resenha, recomendamos então que faça sua leitura antes desta.] 



GATEWAYS THROUGH STONE AND CIRCLE é um livro escrito por Ashen Chassan, no ano de 2013, com 170 páginas e publicado pela editora Nephilim Press. Com cerca de 8 capítulos, o título trata da experiência e prática do autor, a partir das instruções contidas no livro de Barrett, sobre como atrair espíritos para dentro de cristais e estabelecer comunicação com eles.



Chassan é vanguardista e nadando contra a corrente dos movimentos atuais, assumiu para si a labuta
de trabalhar não apenas de forma Tradicionalista, mas, resolveu, junto a um grupo de outros estudiosos, incorporar a seu dia a dia a prática de evocação de espíritos planetários. De uma forma geral, tais magistas reuniram-se com a intenção de criar uma egrégora em comum, para gerar saúde e prosperidade em abundância, para cada um deles, através das energias Jupiterianas. Mas este foi apenas o começo para o autor, que com vontade e dedicação, reuniu experiência e instrução sob o título que dá nome a sua obra.



A ideia central do livro está intimamente ligada não apenas ao título Magus como um todo, mas a um capítulo em específico, de conteúdo curto e nome pomposo: A Magia e a Filosofia de Trithemius de Spanheim Contendo Seu Livro de Coisas Sagradas e a Doutrina dos Espíritos Com Muitos Segredos Curiosos e Preciosos (Até Agora Desconhecidos Pela Maioria) da Arte de Atrair os Espíritos Para Dentro de Cristais, Etc. Com Muitas Experiências Nas Ciências Ocultas, Nunca Antes Publicadas Na Língua Inglesa. Traduzido de um Manuscrito Latino Valioso por Francis Barrett, Estudioso de Química, Filosofia Natural e Oculta, a Cabala, etc.



Sugerindo que a tradução do título acima, atribuído a Trithemius, foi feita para um amigo, Francis lhe explica que esta arte não é dedicada àqueles que têm por finalidade objetivos vãos e egoístas, mas que deve servir para elevar sua existência ao Mais Alto. Diferentemente de outros sistemas bem
fonte: http://bryanashen.blogspot.com/
mais complexos em seu Arsenal, a prática de Atrair Espíritos Para Dentro de Cristais exige apenas: uma bola de cristal, presa a um suporte e rodeada por um círculo de ouro com nomes divinos; um círculo mágico, não muito grande, já que o ritual não exige movimentação; dois castiçais; um turíbulo e uma varinha de ébano negro com caracteres de ouro; além dos itens pessoais comuns aos sistemas cerimoniais, exigidas para uso do magista, como seu manto, pantáculos, etc.



Note que não há indicação para o uso de adagas ou espadas, uma provável sugestão para o fato de que tentar forçá-los a cumprir sua vontade não seja o caminho ideal.


Com todas as ferramentas em mãos e todo contexto pronto, dá-se então início a prática. Muito mais uma arte de comunicação que de pedidos, o sistema de Trithemius sugere que os espíritos planetários, também chamados de (Arc)Anjos, exigem dedicação e vontade pura de objetivo, e que antes de mais nada, é preciso saber a razão de se querer estar em contato com tais seres, e o que quer saber deles. Para isso é preciso, previamente, fazer uma seleção de perguntas que irão compor a sessão e que devem estar intimamente ligadas ao ofício de cada Anjo, a qual é relacionado a cada dia da semana e aos sete planetas antigos.


Tal como o fez o autor de Gateways Through Stone and Circle , não há dúvidas que as informações contidas em Magus seriam suficientes para que você iniciasse os rituais com este sistema. Porém, a exigência de conhecimentos prévios e o sobejo de proselitismo do livro de Barrett, poderiam ser empecilhos desnecessários a um praticante menos sabido, e que com a lapidação dos excessos feita por um magista mais experiente, o objetivo final da obra poderia ser melhor aproveitado. E é esse o trabalho que Ashen Chassan nos traz em sua publicação.



As palavras chaves aqui são instrução e praticidade. Seu livro não tem por objetivo grandes dissertações morais, espirituais ou históricas. É de se supor que o autor tenha deixado de lado tais componentes, típicos de textos grimóricos, pela consciência de os mesmos serem encontrados no livro a qual este título está relacionado. Não obstante, em uma página ou outra, até mesmo sugere que, se você não for uma pessoa simpática ao Cristianismo, alterações nas orações possam ser feitas desde que se respeitando o cerne da ideia.



Em seu princípio, Ashen dedica algumas páginas para comentários gerais sobre a prática mágica e alguns elementos históricos, que parecem ser de interesse de alguns, como a questão se esta arte foi de fato descrita por Trithemius, ou se foi apenas atribuída a ele por Francis. Segue tratando dos elementos psíquicos e espirituais relacionados a alguns sistemas, como a nem sempre tão objetiva indicação, encontrada em alguns livros antigos e pinturas, da parceria com um vidente para a recepção das mensagens dos Anjos, tal como o caso de John Dee e Edward Kelley, responsáveis pelo recebimento do Sistema Angélico, vulgo Enochiano. 



Traz ao leitor os nomes, sigilos, signos, características, desenhos - conforme sua própria experiência -
das formas humanoides destes seres. Segue descrevendo, item a item, a maneira como construiu e/ou adquiriu suas Armas Mágicas, e dá todas as instruções, passo a passo, de como fazê-las ou dos locais onde comprá-las. Destaca ainda a importância da mistificação da técnica mágica, desde a observância de seus estudos como santos, até a preocupação com o templo externo, um quarto ou local destinado exclusivamente para rituais, e o templo interno: seu próprio corpo. Encerra sua sequência trazendo o relato do contato com o espírito Cassiel. 



Considerar a objetividade do livro de Ashen parcial, por não se preocupar tão arraigadamente aos elementos religiosos contidos em Magus, seria o mesmo que desperdiçar a oportunidade de tomar este título não apenas como um grimório moderno para suas práticas pessoais, mas perder a chance de ter como referência seu método de estudo, prática e ensino. 



A ideia de publicar um livro baseado em um grimório antigo, respeitando os fundamentos apresentados em sua forma original, e atualizando componentes de modo a, não favorecer os baixos egos sedentos por pirotecnias e resultados fáceis, mas a contribuir para o progresso do conhecimento mágico, é uma prática que deve ser não apenas adquirida, mas reproduzida e ampliada. 



Se Magus pode ser considerado a ferramenta mágica para a prática de Atrair Espíritos para Dentro de Cristais, Gateways Through Stone and Circle é, sem dúvidas, seu manual de instruções. 


por Allan Trindade


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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A Idade Média nos deixou como legado uma série de pergaminhos e grimórios mágicos que até hoje fundamentam ou influenciam a atuação dos magistas modernos.

Como beneficiários desta herança, quase sempre nos é possível traçar uma linha ascendente em busca das origens de algum sistema que se pratique nos dias atuais, e perceber que muito do dogmatismo encontrado em determinado contexto, é em si, uma adaptação contemporânea de algum herdeiro mais antigo.

Por mais incrível que possa parecer, esta característica não é uma exclusividade do conjunto esotérico, e é largamente encontrada no campo da religião. De uma maneira geral, o surgimento de religiões se dá de forma sucessória, onde a mais atual "nega" a mais antiga, onde o profeta daquele tempo ab-roga seu predecessor,  e se coloca como uma resposta atualizada para as questões e os problemas de sua própria era. Os Deuses do passado tornam-se então os Demônios dos dias de hoje, assim como os Deuses de hoje, podemos supor, tornar-se-ão os Demônios do futuro.

São raros os casos onde as mudanças de paradigmas se dão de maneira radical e absoluta; em geral, todas essas vicissitudes ocorrem de maneira gradativa, e em não raras as vezes, se mesclam a tal ponto de não serem mais aquilo que foram, e nem mesmo se tornam aquilo que se esperava: geram então um terceiro objeto, fruto da junção do velho e do novo.

O período medieval, marcado pela violência das colonizações e histeria cristã, agregou em si mesmo ciência, magia e religião, num amálgama tão porcamente fundido, que nada menos que o radicalismo foi necessário para que a separação se desse. Hoje, apesar de alguns espíritos retrógrados ainda se debaterem na tentativa de nos lançarem de volta ao limbo deste passado negro, podemos respirar aliviados ao dizer que estes três pilares do conhecimento encontram-se adequadamente separados...


Magus é escrito por Francis Barrett, no ano de 1801, com 370 páginas e publicado no Brasil pela editora Mercuryo. Dividido em três partes, o livro se pretende como um tratado geral e completo, que disserta sobre as três principais Ciências Arcanas do mundo ocidental: a Magia, a Alquimia e a Astrologia.


Contextualização é a palavra chave para a leitura deste título. Primeiro para que se possa entender
que há certa injustiça praticada contra Barrett ao acusá-lo de plágio, mesmo quando está claro que seu título é de fato um apanhado de toda uma série de escritos anteriores que vieram a influenciar seu livro, e que este tipo de prática literária era relativamente comum em tempos outros. Além disso, Francis fora fruto de seu tempo, e portanto, não diferente de diversos outros ocultistas contemporâneos e futuros - tais como Levy, Papus, Mathers, Fortune, etc -  mesclava em si mesmo as características ambiciosas de um mago junto as aspirações místicas - e certos devaneios - de um religioso.

Paciência é o segundo ingrediente que você terá de ter em mãos ao virar de cada página. Apesar de sua publicação ser relativamente recente - se comparada a grimórios muitos mais antigos existentes até os dias de hoje que possuem mais de 500 anos de idade - o autor não economiza palavras ao deixar clara sua fé, não só nos efeitos produzíveis pelas fórmulas apresentadas, como é repetitivo e taxativo em alertar que o temor e a gratidão ao Deus de Israel e seu Filho são essenciais para a eficácia de sua didática. De um proselitismo entendiante e cansativo, Magus fará você se questionar se a intenção de Francis era instruir indivíduos para se tornarem magistas, ou catequizar noviços para se tornarem padres.

Seus capítulos são introduzidas por títulos pomposos que ocupam páginas inteiras, e prometem coisas maravilhosas para todos aqueles que ousarem se enveredar pelos meandros destes conhecimentos. Longe desta ser uma divisão "justa", sua introdução ao estudo e prática, chamada de Magia Natural, ocupa a maior parte de suas 370 páginas. E é justamente nesta etapa que o autor investe fundo em teoria e doutrinação, a tal ponto que, é melhor que você tenha um mínimo de conhecimento bíblico para não se perder em meio a tantos nomes e referências judaico-cristãs.

Como destaque para um de seus discursos religiosos, atribui a Satanás o surgimento do ateísmo e do paganismo:

"Para que o mal existisse ininterruptamente, [satã] incitou não apenas os fratricidas e as pessoas muito más, mas cuidou para que surgisse o ateísmo e o paganismo, fazendo-os crescer a cada dia." p.46

E é no embalo da ideia pagã, que Francis tece seus comentários sobre bruxaria e ensina feitiços e poções de tipos exóticos para seus leitores, tal qual o uso de sapos como panaceia:

"O sapo pode ser usado no preparo de um remédio simpático contra a praga e distúrbios tais como a malária, epilepsia e vários outros. Para que o medo que o sapo tem de nós e o ódio natural inato possam ser aumentados e marcados, devemos pendurá-lo pelas pernas no alto de uma chaminé, colocando uma vasilha de cera amarela embaixo para recolher tudo o que possa descer ou cair de sua boca. Deixa-o pendurado nesta posição por três ou quatro dias, até morrer. Não devemos deixar de estar freqüentemente ao alcance de sua visão, para que seu medo e o terror inato de nós, com a ideia de intenso ódio, possam aumentar até ele morrer.
Assim terás um remédio muitíssimo poderoso neste sapo para a cura de quarenta mil pessoas infectadas de peste ou praga." p.49

Não nos parece demais alertar aqui que tal experimento é extremamente perigoso e não deve jamais ser reproduzido. A exposição desta receita é compartilhada apenas para fins ilustrativos.

Em sua dissertação sobre Alquimia, é tradicional ao mencionar os perigos da ganância que o estudo desta Ciência pode despertar no Buscador. Trata das propriedades do Pó da Transmutação, acumula mais instruções morais na mente do leitor na preparação para o Trabalho, dá quatro lições para a "obtenção da Pedra Filosofal", e finalmente alega que a chave para a consecução da Grande Obra não está no processo em si, mas na descoberta da Matéria Prima, que ele mesmo não revela qual é.

Outra característica marcante em seu conteúdo é o forte uso da Astrologia como fundamento para praticamente tudo que se pretenda fazer com este grimório: estudar esta matéria antes de consultar este livro será essencial para o uso do mesmo; sem este conhecimento é bem provável que você fique totalmente perdido em seu aspecto prático.

Teologia, astrologia, cabala, alquimia, bruxaria, magnetismo, unguentos, incensos, sacrifícios animais, mineralogia, superstição, numerologia, sigilos, alfabetos antigos, necromancia  etc, são todos temas encontráveis neste título como introdução até finalmente chegar no ponto à qual Magus angariou sua fama: seu sistema de evocação de espíritos de mortos, anjos e  seres planetários. O método é comum a todos os outros tipos contemporâneos: círculos mágicos, varinhas, mantos, espadas e todo arsenal encontrado dentro do contexto da Magia Cerimonial. O diferencial reside no fato de que toda esta ritualística tem por fim o fabrico de talismãs.

A Magia Talismânica - como também é conhecida - encontra grande fundamento em escritos deste período, com seus astrólogos que produziam pingentes específicos para pessoas com mapas natais e objetivos pré-determinados, de modo a atrair a energia natural e a força de seres espirituais para a concretização de seus intentos. Era por muitas vezes um trabalho terceirizado, onde o cliente solicitava a seu magista, que o mesmo produzisse tal item - fosse este um colar, um anel, patuá, etc - que passaria então a ser usado por esta pessoa em locais apropriados por tempos determinados.

Fato é que, de uma maneira geral, ainda não nos desprendemos desta prática ao observar que até hoje fazemos uso de cordões, brincos, anéis e tatuagens com intenções e símbolos religiosos, mas perdemos o hábito de verdadeiramente tornar estes itens mágicos, consagrando-os seja pessoalmente, ou contratando os serviços de um outro alguém para que assim o faça...mas Barrett nos traz as instruções de como fazê-lo.

Para isso a familiarização com a Cabala, quadrados mágicos e sigilação será fundamental, mas caso não domine tais técnicas, neste sentido, o livro lhe dará uma noção de como tudo isso se dá. A ritualística mágica, à maneira Tradicional, é essencial, e Francis não deixa dúvidas que, em se
cumprindo o passo a passo descrito em seu conteúdo, manifestações e visibilidade destes seres serão reais e tangíveis. Por fim, o conhecimento da Astrologia será obrigatório. Todos os talismãs são feitos observando-se as conjunções planetárias favoráveis para cada intento.

O livro finalmente termina com curtas biografias de personalidades importantes para o cenário mágico, químico e alquímico, que, como já dito em outro momento, devem ser sempre lidas com olhares críticos, uma vez que foram escritas a no mínimo duas centenas de anos atrás, e que portanto, podem estar desatualizadas.

Magus é uma exata reprodução de seu período e é um dos últimos grimórios que ainda trazem em seu conteúdo esta estranha mescla de dependência entre ciência, magia e religião. Exerceu influência sobre grandes nomes do cenário ocultista que lhe sucederam, e dentro de seu contexto, cumpre bem aquilo que se pretende. Apesar de seu excesso de proselitismo, que se lapidado, teria o livro conteúdo bem menor com que se apresenta, deve ser lido com um olhar histórico contra sua abordagem religiosa, e prático em seu aspecto mágico. É sem dúvidas um exemplar obrigatório para todos os Tradicionalistas.

À saber: a resenha a seguir tem íntima relação com este título, onde abordaremos de forma mais específica o capítulo especial atribuído a Trithemius de Spanheim, e seu sistema de evocação de espíritos para dentro de cristais. Fique atento.

Agradecimento especial ao Frater C.B. que carinhosamente me presenteou com este livro. Obrigado meu caro!

por Allan Trindade




quarta-feira, 6 de julho de 2016

- Que capa bonita! Comprou? Que livro é esse?
- São Cipriano, te disse que ia comprar.
- Nossa! Não vou nem abrir!
- Por quê?
- Dizem que se abrir tem que ler até o final...

O primeiro contato que tive com esse livro foi há muitos anos atrás. Uma cópia velha e maltrapilha que uma amiga havia me emprestado. Já naquele tempo o alerta havia sido dado: "Este livro é muito perigoso! Não é bom deixar ele em casa! Estou te emprestando mas nem deveria! Cuidado com a oração da Cabra Preta!" Tantas exclamações até me impressionaram na época: eu, um adolescente recém saído das amarras do Cristianismo que ainda trazia nas costas o peso da cruz do Deus de Nazaré que a Igreja de Roma havia jogado sobre meus ombros: pecado, culpa, temor e sectarismo eram meus estigmas. E por que diabos estaria interessado em ler o livro de um santo justamente naquele momento? Não era interesse, era curiosidade. Quem sabe o grande-bruxo-são-capa-preta-Cipriano, tivesse algo de interessante a me ensinar.

Seu aspecto usado e sujo unido a todo aquele sensacionalismo, mexeriam com o ceticismo de quase todo ser vivente deste planeta...ou ao menos aqueles que, de uma maneira ou de outra, possuem o mínimo de fé. Resolvi encarar o desafio. Entre "hocus pocus" mirabolantes, sapos com bocas costuradas dentro de cemitérios, drinks de sangue puro de cabras brancas virgens, diabinhos criados de ovos de galinha e sêmen, rituais para invisibilidade, centenas de outros tantos para trazer a pessoa amada a seus pés, orações para Jesus, Maria e José e orgias com bodes, por fim, nem mesmo o viço da minha adolescência ele fora capaz de despertar. Vi-me quase totalmente desinteressado por tudo aquilo: não tinha a menor intenção de cozinhar um gato preto até que sua carne se desprendesse de seus ossos, nem tampouco enfiar favas no ânus de cachorros. Li e devolvi o livro maldito.

Mais de uma década se passou. Não morri. Ele reapareceu, numa forma muito mais bonita, com capa dura, intacto e aos montes na estante de uma livraria. E onde quer que fosse, o via, sempre em duas versões: Prata e Preta. Talvez fosse um sinal. Resolvi comprá-lo. Desta vez eu mesmo fui atrás dos alertas. Eles aumentaram e se tornaram ainda mais "assustadores". Pragas de maldições eternas, morte de parentes, casas incendiadas, e relatos dos mais cinematográficos, encontrados na boca de cada um que tinha no seu ouvido a pergunta: você conhece o livro de São Cipriano?

Eu, em minha arrogância, ri da maioria deles. Vide minha experiência do passado, nunca imaginei que dessa vez, algo pudesse me acontecer ao ler esse livro...mas eu estava enganado...

São Cipriano - Capa Preta é um título publicado pela editora Pallas, no ano de 2014, com 448 páginas, 13 capítulos e possui sua autoria atribuída a Cipriano, o Bruxo.

As origens deste livro se perdem nos meandros da história, e tampouco parece haver algum  estudo - interesse - realmente aprofundado sobre suas raízes, por parte daqueles que são empenhados na pesquisa exotérica ou ocultista. Uma possível explicação para isso talvez se dê pelo fato de que este grimório passou tanto tempo nas mãos de pessoas ignorantes, e foi possivelmente incluído e modificado tantas vezes, que se torna quase impossível distinguir o que lhe é original, daquilo que não passa de cultura popular.


Neste caso em específico, o mesmo é iniciado com uma introdução - não assinada - que se pretende distinguir a figura de Cipriano o santo, do bruxo. Nada que de fato vai  lhe instruir sobre tais diferenciações "históricas", mas ao menos lhe dará um direcionamento neste sentido. Tal esforço parece não ajudar muito à continuidade de sua biografia, já que logo em seguida, o livro nos traz diversos relatos que misturam a figura de um Cipriano pagão, com a de um Cipriano arrependido e convertido, por diversas vezes, em diversos momentos, por diversos motivos, ao Cristianismo, que por fim, parecem indicar que Cipriano bruxo ou santo, são um só.


O cerne da maioria destas histórias resumem-se a um motivo único: o desejo por mulheres
impossíveis, que pela força de sua fé, raramente sucumbem aos feitiços do bruxo. Em observação a
esta resistência, Cipriano sempre questiona ao "Demônio"sobre os motivos para a falha de seus
encantamentos. Este, por sua vez, explica que os poderes do Deus de Israel são muito superiores aos seus, e que a potência da crença destas mulheres as protege de qualquer mal. Proselitismo é pouco
para definir...


Tanta confusão não deve impressionar aos leitores com maior nível cultural e senso crítico mais apurado; não há dúvidas, nenhum dos relatos sobre sua existência e atuação são confiáveis e verossímeis. Contradições, histórias repetidas contadas por diferentes motivos e com diversos finais são uma constante neste livro. E ele vai além. O título contém uma série de imagens que supostamente ilustram cenas de sua vida, e signos diversos, atribuídos de forma direta e indireta ao Bruxo. E não é difícil encontrar descrições absurdas sobre certos símbolos e até mesmo erros primários da posição de selos.


A nível ilustrativo, encontramos na página 223 um pantáculo de Vênus, apresentado de ponta cabeça, e descrito como sendo de uso comum de feiticeiros egípcios, que "não realizam trabalhos sem o traçado mágico que o desenho mostra."

Em minhas pesquisas sobre o que as pessoas dizem sobre o Capa Preta, encontrei uma forte crença não só em poderes pseudo emanados do livro, como a ideia de que o título fora escrito de próprio punho pelo feiticeiro. Não se iluda. Cipriano é dito como tendo vivido no século III e na página 186, descrições sobre o que fazer em caso de ser pego praticando magia pela Inquisição Católica, sugerem então uma data que giraria em torno da Idade Média, mas que ainda assim não seria contemporânea a pseudo existência do bruxo, ou do santo. Desta forma, como poderia ter sido ele o escritor da obra?

A edição ainda traz alusões contemporâneas. Um desses casos é dada ao livro "Magus" na página 243, de Francis Barrett publicado no ano de 1801; a Eliphas Levi, famoso ocultista francês também do século XIX na página 187; e não obstante, ao LSD, substância química isolada apenas no século
XX, na página 231. Se muito, o título não passa de uma antologia, que pratica os moldes dos antigos métodos de publicação de livros; o uso do nome de alguma figura de forte apelo popular, para dar credibilidade a obra e alavancar vendas.

O título é essencialmente cristão e brinca com um forte apelo a conversão ao Deus de Israel na mesma medida que ensina como fazer pactos com o Demônio. Magia negra e rituais de ataque e amarração são uma constante, e a não ser que você esteja realmente disposto a sujar suas mãos com sangue - em muitos casos literalmente - o livro não lhe será muito útil.  Seus rituais simples por sua estrutura, e complexos por seus ingredientes, são sem dúvidas um diferencial se comparados a sistemas e grimórios mais Tradicionais, usados por ocultistas com uma tendência mais teúrgica. Entretanto, todo este cenário parece preencher exatamente as descrições cinematográficas de bruxos e bruxas que supostamente se reuniam em sabás para adorar bodes, praticar orgias e assassinar crianças.

A nível prático, nele você encontrará três perspectivas possíveis: a de usar este grimório apenas para um fim exclusivo, como para amarrar uma pessoa amada, por exemplo; a de se tornar um feiticeiro seguindo um guia prático de feitiços, para fins diversos; ou conforme ensinado em seu apêndice, poderá iniciar e ser iniciado em rituais de magia negra, para se tornar um bruxo e em seguida, alto sacerdote, conforme descrito em seu conteúdo.

São Cipriano - Capa Preta une histórias à feitiços, exorcismos em latim à receitas diversas de poções e magias, além de sugerir que o feiticeiro, além de santo era também alquimista e cartomante. É recomendado para todos aqueles que tem interesse por ocultismo, não apenas pelo seu aspecto prático, mas também "histórico". Possui um ótimo acabamento editorial e é digno de fazer parte da biblioteca de qualquer estudioso sério.

Mas não espere por nada além de uma bela edição de capa dura e letras douradas: sua casa não vai pegar fogo, você não vai morrer por ter comprado este livro, e nem tampouco a cabra preta vai puxar seu pé a noite...mas é possível que o conteúdo do livro tenha o poder de fazer com você o mesmo que fez comigo: me deu sono!


                                                                                                                             por
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quarta-feira, 8 de junho de 2016

Ao observarmos a evolução das religiões no mundo, percebemos uma grande divisão histórica nos registros modernos: saímos do plural para o singular. No período anterior ao advento do Cristianismo, há cerca de 2016 anos atrás, o mundo religioso, em sua grande maioria, era povoado por uma infinidade tão grande de Deuses e divindades menores, que seria impossível classificar a todos, fosse qual fosse nosso esforço. Panteísmo, animismo, politeísmo, monolatria, são termos recentes, desconhecidos para povos que estavam conectados as suas crenças, não por uma questão de escolha, mas por uma ligação étnica. Nascer sob a égide de uma determinada religião, receber de seus pais e sociedade os ensinamentos daquela crença, era automaticamente ser e considerar-se pertencente a ela.

Tal visualização pode parecer difícil num primeiro momento, num contexto onde a mística exerce um papel social secundário, neste mundo atual onde as pessoas trocam de religião com a mesma facilidade com que bebem um copo d'água. Mas basta pensar que ainda confundimos árabes com muçulmanos, que ignorantemente chamamos de racista todo aquele que diz não gostar do Judaísmo, para perceber que ainda temos muito que aprender sobre esta matéria.

Estas três religiões são então nossa principal referência para o assunto que se segue. É o Judaísmo o precursor do pensamento moderno, disseminado pelo Cristianismo, e tão ferrenhamente defendido pelo Islamismo de que "Deus é um só!". Todo este reducionismo, obviamente, encontra seus fundamentos numa colcha de retalhos histórica tão distante dos métodos modernos de classificação e verificação científica, que somos obrigados a usar deste argumento, de que são eles os "inventores" desta ideia, de modo a não cairmos num relativismo sem fim, que nos distancia da pluralidade de Deus(es) mas nos lança no "polihistoricismo" teórico. Deixemos que os cientistas da religião e exegetas nos digam se o monoteísmo existe de fato ou se toda esta ideia não passa de puro marketing espiritual.


E por qual razão consideramos essa possibilidade? Pois basta que você recorra ao principal elemento de perpetuação, usado principalmente pelas religiões monoteístas - seus livros sagrados -, para que sem esforço se depare com uma infinidade de seres espirituais imbuídos de funções sob o comando do tal "Deus Único", que em muitos casos, são tão poderosas, e descritas como tão mais próximas de nós, e tantas outras tão próximas d'Ele, que mais justo seria também considerá-las divindades dignas dos mesmos preletores. E não era esse o argumento daqueles antigos religiosos a que modernamente nos referimos como pagãos? Não é recorrente no paganismo, o conceito de que, apesar da pluralidade, apesar de um panteão com diferentes Deuses, todos eles, e as criaturas sob seus comandos, eram advindos de uma fonte única?


 Em todo mundo moderno, o esforço exercido pelas religiões monoteístas para desvincular o povo de seus mitos e crenças, foi em certo nível falho e vão. Pessoas e religiões se viram na obrigação de adaptar sua magia, fé e seres espirituais a nova linguagem imposta, daqueles que teimavam em lhes dizer que "basta pedir para Deus". Não bastou! Deuses viraram santos, semi-deuses foram travestidos como super heróis, rituais transmutaram-se em festas, espíritos reinterpretados como assombrações ou guias, elementais como folclore, anjos e demônios como serviçais de Deus para a manutenção da vida do homem... todos, tão antigos quanto o antigo, mais fortes que o tempo, venceram a força da abstração ignorante e minimalista, e superaram, mesmo que reconfigurados, as invasões, fogueiras e bombas do tempo que tanto insistiram e insistem, na tentativa de lhes expulsar do contato para com cada um de nós, e lhes apagar dos registros da nossa história e memória.

Os Espíritos da Natureza é um livro publicado pela editora ISIS, no ano de 2004, com 94 páginas, 16 capítulos, e foi escrito por Charles Webster Leadbeater, famoso teosofista e clarividente do século XIX.


Entendendo-se que Leadbeater chama de fadas, todos os espíritos da natureza ligados ao plano telúrico, de forma etérica ou astral, o autor reuniu através de capítulos uma coletânea de descrições sobre o mundo dos elementais, com foco em seu comportamento e forma.


A ideia básica por trás de seu conteúdo reside no conceito de que estes seres são formas sutis de energia, nascidas através de anjos e devas, com sua própria trajetória evolutiva no mundo espiritual. Sua proximidade conosco então se dá, pois são os elementais os responsáveis pela criação e manutenção de grande parte de todo o ciclo de vida da natureza, em seu sentido mais natural, sendo eles os administradores de flores e suas colorações, plantas e suas formas, insetos e toda a infinidade de coisas que se possa imaginar.

Sendo o homem um ser dotado de inteligência e individualização, e tendo em si caracteres revolucionários e ignorantes que o distanciam deste contato, está, por conseguinte, em grande parte, se afastando da relação com estes seres, todas as vezes que substitui florestas por cidades, rios por esgotos, despertando assim a ojeriza das fadas. Isso explicaria então o por que de no passado termos tido tantos relatos de seres fantásticos, e nos dias de hoje, tudo soar para nós como lendas de contos de fadas, aos quais, apesar de nosso anseio, só temos conhecimento através de reproduções cinematográficas.

Ainda segundo o autor, quanto mais distante do contato com a civilização humana, mais simpáticos eles são para conosco, traçando assim uma distinção entre os elementais que residem em rios e florestas, que por exemplo, são mais avessos e arredios a nossa presença já que conhecem e veem com frequência nossos atos destrutivos em seus reinos, e sendo aqueles residentes das superfícies do alto mar muito mais simpáticos a nós, uma vez que nossa aparição por lá seja muito mais rara.

As descrições de Leabeater são sempre generalistas e nada tem de realmente profundas: cada capítulo, quando muito, não chega ao número de quatro páginas. Entretanto, o título também não nos
traz promessa alguma: não há nele qualquer indicação sobre como o autor chegou aquelas verificações e nem tampouco, como elas poderiam então ser reproduzidas por outrem. Obviamente que aqui não estamos ignorando a fama do referido ser um clarividente, apenas consideramos que o livro carece de uma introdução explicativa neste sentido, para aqueles que não conhecem sua história. Se você está procurando um livro prático de magia elemental este título certamente não é para você.

Os Espíritos da Natureza ainda exige um certo conhecimento prévio, por incrível que pareça, para entender algumas ideias apresentadas pelo autor. Talvez seja interessante que você esteja familiarizado com tipos de pensamento relacionados a metempsicose, hierarquia celeste, hinduísmo e teosofia. Nada que você realmente precise, mas que pode evitar, principalmente em seus primeiros capítulos, questionamentos sobre "O quê ele quer dizer com isso?!".

Além disso, a editora incluiu nesta edição tantas imagens de fadas, que acredite, caso não fossem elas, o livro teria ainda bem menos páginas. Não obstante, não consta em sua ficha técnica seu nome original. Como seus leitores saberão de onde vocês tiraram estes escritos, Editora ISIS? Isso nos leva a pensar sobre a possibilidade desta publicação ser uma antologia destacada de algum outro contexto, onde originalmente os pontos falhos citados acima - como uma introdução para o assunto e explicações sobre métodos - talvez estivessem incluídos. Deixamos aqui o espaço aberto para uma possível explicação.

Este título dificilmente lhe trará algo de realmente significativo, seja a nível intelectual ou prático. Não espere por grandes revelações, métodos ou exercícios: nada disso você encontrará lá. Mas, com um certo esforço, tal qual o que eu fiz aqui, você poderá usá-lo como um gatilho para reflexões sobre o porquê da nossa relação de tanta dependência com o mundo moderno e o nosso distanciamento, cada vez mais intenso, para com os aspectos mais básicos da natureza.

por Allan Trindade


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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O mundo. É curioso notar a distinção existente entre nós, seres humanos e o resto da natureza. Se parar para pensar, a natureza com seus animais e plantas, parece seguir uma linha uniforme de vida, que nos dá a impressão de ser hoje exatamente aquilo que foi ontem. Não que esta ideia seja verdadeira, que de fato o mundo natural, distinto do hominal, seja comparável a um filme em eterno replay, repetindo nascimento, vida e morte de suas criaturas, sem qualquer pausa ou revolução. Se levarmos em consideração o argumento de alguns cientistas, é evidente que somos nós que não enxergamos as vicissitudes que nos cercam. Talvez o motivo para isto se dê pelo fato de que precisamos de impacto para perceber e recordar acontecimentos. Precisamos de mais do que aquela pseudo tranquilidade e certeza que a natureza pode nos dar. Precisamos de mais que a mera ideia de que a vida é feita de momentos pacatos e seguros...para muitos, uma vida assim, nem mesmo é vida. Precisamos de experiências fortes o suficiente que nos façam sentir que estamos vivos; precisamos de medo, prazer, cansaço, descanso, luta, revolução, vida e morte...do outro!

A morte do outro nos dá certo conforto, nos faz sentir vivos, nos causa o impacto que tanto necessitamos e nos faz aprender sobre métodos que nos distanciem cada vez mais da morte. A morte do outro tem então uma dupla função: nos ensina a viver e nos conforta. Os noticiários que mais dão audiência são aqueles das desgraças alheias. Os horários são então estratégicos: almoço e janta, para garantir que grande parte da família esteja reunida. Enquanto comemos a morte daquela natureza tão distinta de nós, nos tranquilizamos com a morte alheia tão aparentemente distante de nós. Aqui, neste mundo, é muito importante que não se tenha dúvidas: a morte deve pertencer ao outro, tão e somente! Nossa indiferença dá-se apenas àqueles que não são capazes de nos dar nada além da visão da morte e a ideia da continuidade desta vida. Se alguém que nos é caro morre, se alguém a quem estimamos nos deixa sem todos os outros tantos sentimentos que necessitamos, que apenas nós seres humanos carentes e famintos julgamo-nos merecedores de receber, isso não pode ser justo...e a única solução para esta injustiça é que a vida continue após a morte...e que além de tudo, nós possamos nos comunicar com ela!

Talking to the Dead é um livro escrito por Barbara Weisberg, dividido em cinco partes, com 19 capítulos e 324 páginas, publicado pela editora Harper One. Este é um título biográfico que nos conta sobre a vida das irmãs Fox e o nascimento do espiritualismo, conforme movimento religioso, dentro dos Estados Unidos. Advindas de uma família pobre, e de pais com problemas de relacionamento, as três irmãs: Maggie, Kate e Leah , viveram uma vida repleta de fama, problemas e controversas depois de seu primeiro contato com o "mundo espiritual".

Tudo começou em 1848, em Nova York, num período onde o rigor moral imperava num país ainda em processo de formação, e o dogmatismo cristão vigorava como único método de conduta e fé religiosa. Um escândalo para os fundamentalistas e uma piada de mau gosto para os céticos, as irmãs alegavam serem capazes de se comunicar com os espíritos e que estes podiam responder perguntas sobre o passado, o presente e o futuro e haviam lhes dado a incumbência de trazer a verdade de um mundo espiritual atuante, para o mundo material. A ideia era simples: os espíritos das pessoas não adormeciam junto de seus corpos mortos conforme era então ensinado por algumas linhas cristãs, continuavam vivos e conscientes em uma realidade paralela a nossa, e portanto passível de comunicação. Essa comunicação, no entanto, era um tanto deficiente, limitando-se a batidas que se ouviam por móveis e paredes, e sugeriam certa falha de contato dos então ditos espíritos para conosco e vice versa. Para a solução desta problemática, vivos e mortos estabeleceram um código baseado na quantidade de batidas, o que fazia com que, estas perguntas devessem ser feitas de forma clara, onde suas respostas se limitassem a um objetivo "sim" ou "não".

Décadas se passaram desde o primeiro contato e as irmãs conquistaram o amor, a indiferença e o ódio de muitos. Muitos daqueles que lhes eram simpáticos, e crentes nas manifestações que presenciavam, inclusive de forma pública e coletiva, não apenas lhes seguiam, como partiram, eles próprios, na tentativa deste contato com o outro mundo. A partir daí surgiriam médiuns por todo o país e continentes, alegando contatos cada vez mais íntimos e pirotécnicos com os espíritos; mesas que giravam, levitavam e batiam, espíritos que se materializavam e traziam mensagens de consolo para parentes e amigos, e outros tantos que exibiam luzes e fogos que flutuavam no ar.

Daqueles que duvidavam de seus feitos, e tantos outros que viam em toda esta histeria um perigo para sua própria fé, não mediram esforços para tentar desmascarar todas estas manifestações, que segundo eles, não passavam de charlatanismo e truques de prestidigitação. Dentro de seu principal argumento, diziam que as batidas ouvidas deviam-se a uma incrível e incomum capacidade, desenvolvida a partir de muito treino, de estalar as juntas dos ossos produzindo assim os sons ouvidos. Curioso é pensar sobre como, como quando nas exibições públicas em teatros, por exemplo, poderiam dezenas de pessoas ouvir o estalido da fricção de juntas ósseas de uma única pessoa...quem sabe a acústica explique...

A autora nos leva a vivenciar cada detalhe da vida das meninas e esta é, sem dúvida, uma biografia imparcial com uma impressionante pesquisa bibliográfica, digna de servir como exemplo para todos aqueles que se pretendem escrever um dia. Porém, toda este detalhismo é também seu ponto negativo, pois o livro é bastante extenso e muitas vezes lê-lo se torna um pouco cansativo.  Barbara Weisberg é sem dúvidas uma perfeccionista, e vai tão a fundo em sua pesquisa, que não se limita a tratar apenas de espiritualismo ou da vida desta controversa família. Nos traz dados históricos que nos projetam para um Estados Unidos do século XIX e não deixa brechas para que seus leitores se percam na ambientação de sua narrativa.

Envolvidas em toda esta trama estavam três irmãs que, no decorrer de todo este tempo e repletas de amores, fama, tristeza, dinheiro, drogas, elogios e acusações, viram no mundo espiritual uma chance de tornar as suas vidas, e a de tantos outros, muito mais vivas, mesmo que seja falando com os mortos.

por Allan Trindade



[ ATENÇÃO: este livro possui uma versão em português publicada no Brasil pela editora Nova Fronteira sob o título de " Falando com os Mortos ".  Infelizmente não tomei conhecimento desta informação a tempo e por este motivo esta resenha é baseada em sua versão estrangeira. Levando em consideração a possibilidade da qualidade idêntica a esta versão, e pela valorização de editoras que se dedicam ao trabalho de tradução de livros espiritualistas e ocultistas no Brasil, recomendo a compra de sua versão nacional.]

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