quarta-feira, 6 de julho de 2016

- Que capa bonita! Comprou? Que livro é esse?
- São Cipriano, te disse que ia comprar.
- Nossa! Não vou nem abrir!
- Por quê?
- Dizem que se abrir tem que ler até o final...

O primeiro contato que tive com esse livro foi há muitos anos atrás. Uma cópia velha e maltrapilha que uma amiga havia me emprestado. Já naquele tempo o alerta havia sido dado: "Este livro é muito perigoso! Não é bom deixar ele em casa! Estou te emprestando mas nem deveria! Cuidado com a oração da Cabra Preta!" Tantas exclamações até me impressionaram na época: eu, um adolescente recém saído das amarras do Cristianismo que ainda trazia nas costas o peso da cruz do Deus de Nazaré que a Igreja de Roma havia jogado sobre meus ombros: pecado, culpa, temor e sectarismo eram meus estigmas. E por que diabos estaria interessado em ler o livro de um santo justamente naquele momento? Não era interesse, era curiosidade. Quem sabe o grande-bruxo-são-capa-preta-Cipriano, tivesse algo de interessante a me ensinar.

Seu aspecto usado e sujo unido a todo aquele sensacionalismo, mexeriam com o ceticismo de quase todo ser vivente deste planeta...ou ao menos aqueles que, de uma maneira ou de outra, possuem o mínimo de fé. Resolvi encarar o desafio. Entre "hocus pocus" mirabolantes, sapos com bocas costuradas dentro de cemitérios, drinks de sangue puro de cabras brancas virgens, diabinhos criados de ovos de galinha e sêmen, rituais para invisibilidade, centenas de outros tantos para trazer a pessoa amada a seus pés, orações para Jesus, Maria e José e orgias com bodes, por fim, nem mesmo o viço da minha adolescência ele fora capaz de despertar. Vi-me quase totalmente desinteressado por tudo aquilo: não tinha a menor intenção de cozinhar um gato preto até que sua carne se desprendesse de seus ossos, nem tampouco enfiar favas no ânus de cachorros. Li e devolvi o livro maldito.

Mais de uma década se passou. Não morri. Ele reapareceu, numa forma muito mais bonita, com capa dura, intacto e aos montes na estante de uma livraria. E onde quer que fosse, o via, sempre em duas versões: Prata e Preta. Talvez fosse um sinal. Resolvi comprá-lo. Desta vez eu mesmo fui atrás dos alertas. Eles aumentaram e se tornaram ainda mais "assustadores". Pragas de maldições eternas, morte de parentes, casas incendiadas, e relatos dos mais cinematográficos, encontrados na boca de cada um que tinha no seu ouvido a pergunta: você conhece o livro de São Cipriano?

Eu, em minha arrogância, ri da maioria deles. Vide minha experiência do passado, nunca imaginei que dessa vez, algo pudesse me acontecer ao ler esse livro...mas eu estava enganado...

São Cipriano - Capa Preta é um título publicado pela editora Pallas, no ano de 2014, com 448 páginas, 13 capítulos e possui sua autoria atribuída a Cipriano, o Bruxo.

As origens deste livro se perdem nos meandros da história, e tampouco parece haver algum  estudo - interesse - realmente aprofundado sobre suas raízes, por parte daqueles que são empenhados na pesquisa exotérica ou ocultista. Uma possível explicação para isso talvez se dê pelo fato de que este grimório passou tanto tempo nas mãos de pessoas ignorantes, e foi possivelmente incluído e modificado tantas vezes, que se torna quase impossível distinguir o que lhe é original, daquilo que não passa de cultura popular.


Neste caso em específico, o mesmo é iniciado com uma introdução - não assinada - que se pretende distinguir a figura de Cipriano o santo, do bruxo. Nada que de fato vai  lhe instruir sobre tais diferenciações "históricas", mas ao menos lhe dará um direcionamento neste sentido. Tal esforço parece não ajudar muito à continuidade de sua biografia, já que logo em seguida, o livro nos traz diversos relatos que misturam a figura de um Cipriano pagão, com a de um Cipriano arrependido e convertido, por diversas vezes, em diversos momentos, por diversos motivos, ao Cristianismo, que por fim, parecem indicar que Cipriano bruxo ou santo, são um só.


O cerne da maioria destas histórias resumem-se a um motivo único: o desejo por mulheres
impossíveis, que pela força de sua fé, raramente sucumbem aos feitiços do bruxo. Em observação a
esta resistência, Cipriano sempre questiona ao "Demônio"sobre os motivos para a falha de seus
encantamentos. Este, por sua vez, explica que os poderes do Deus de Israel são muito superiores aos seus, e que a potência da crença destas mulheres as protege de qualquer mal. Proselitismo é pouco
para definir...


Tanta confusão não deve impressionar aos leitores com maior nível cultural e senso crítico mais apurado; não há dúvidas, nenhum dos relatos sobre sua existência e atuação são confiáveis e verossímeis. Contradições, histórias repetidas contadas por diferentes motivos e com diversos finais são uma constante neste livro. E ele vai além. O título contém uma série de imagens que supostamente ilustram cenas de sua vida, e signos diversos, atribuídos de forma direta e indireta ao Bruxo. E não é difícil encontrar descrições absurdas sobre certos símbolos e até mesmo erros primários da posição de selos.


A nível ilustrativo, encontramos na página 223 um pantáculo de Vênus, apresentado de ponta cabeça, e descrito como sendo de uso comum de feiticeiros egípcios, que "não realizam trabalhos sem o traçado mágico que o desenho mostra."

Em minhas pesquisas sobre o que as pessoas dizem sobre o Capa Preta, encontrei uma forte crença não só em poderes pseudo emanados do livro, como a ideia de que o título fora escrito de próprio punho pelo feiticeiro. Não se iluda. Cipriano é dito como tendo vivido no século III e na página 186, descrições sobre o que fazer em caso de ser pego praticando magia pela Inquisição Católica, sugerem então uma data que giraria em torno da Idade Média, mas que ainda assim não seria contemporânea a pseudo existência do bruxo, ou do santo. Desta forma, como poderia ter sido ele o escritor da obra?

A edição ainda traz alusões contemporâneas. Um desses casos é dada ao livro "Magus" na página 243, de Francis Barrett publicado no ano de 1801; a Eliphas Levi, famoso ocultista francês também do século XIX na página 187; e não obstante, ao LSD, substância química isolada apenas no século
XX, na página 231. Se muito, o título não passa de uma antologia, que pratica os moldes dos antigos métodos de publicação de livros; o uso do nome de alguma figura de forte apelo popular, para dar credibilidade a obra e alavancar vendas.

O título é essencialmente cristão e brinca com um forte apelo a conversão ao Deus de Israel na mesma medida que ensina como fazer pactos com o Demônio. Magia negra e rituais de ataque e amarração são uma constante, e a não ser que você esteja realmente disposto a sujar suas mãos com sangue - em muitos casos literalmente - o livro não lhe será muito útil.  Seus rituais simples por sua estrutura, e complexos por seus ingredientes, são sem dúvidas um diferencial se comparados a sistemas e grimórios mais Tradicionais, usados por ocultistas com uma tendência mais teúrgica. Entretanto, todo este cenário parece preencher exatamente as descrições cinematográficas de bruxos e bruxas que supostamente se reuniam em sabás para adorar bodes, praticar orgias e assassinar crianças.

A nível prático, nele você encontrará três perspectivas possíveis: a de usar este grimório apenas para um fim exclusivo, como para amarrar uma pessoa amada, por exemplo; a de se tornar um feiticeiro seguindo um guia prático de feitiços, para fins diversos; ou conforme ensinado em seu apêndice, poderá iniciar e ser iniciado em rituais de magia negra, para se tornar um bruxo e em seguida, alto sacerdote, conforme descrito em seu conteúdo.

São Cipriano - Capa Preta une histórias à feitiços, exorcismos em latim à receitas diversas de poções e magias, além de sugerir que o feiticeiro, além de santo era também alquimista e cartomante. É recomendado para todos aqueles que tem interesse por ocultismo, não apenas pelo seu aspecto prático, mas também "histórico". Possui um ótimo acabamento editorial e é digno de fazer parte da biblioteca de qualquer estudioso sério.

Mas não espere por nada além de uma bela edição de capa dura e letras douradas: sua casa não vai pegar fogo, você não vai morrer por ter comprado este livro, e nem tampouco a cabra preta vai puxar seu pé a noite...mas é possível que o conteúdo do livro tenha o poder de fazer com você o mesmo que fez comigo: me deu sono!


                                                                                                                             por
Allan Trindade
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