sexta-feira, 15 de setembro de 2017


Quando as primeiras notícias foram publicadas sobre o "menino" do Acre, algumas pessoas pediram que eu fizesse um vídeo analisando o caso, que até então, resumia-se apenas a uma filmagem com uma escultura de Giordano Bruno em seu quarto e alguns círculos pertencentes a um desenho animado, erroneamente associados aos nossos simbolismos ocultos. 

Expliquei-lhes que este blog destina-se a análises literárias, mas que em havendo a promessa de que os livros escritos por Bruno Borges seriam lançados, ao menos o primeiro deles receberia nossos comentários.

Então que fique claro que só há um motivo para este título estar aqui: o cumprimento da nossa palavra para com aqueles que acompanham nosso trabalho.

TAC - TEORIA DA ABSORÇÃO DO CONHECIMENTO é um livro escrito por Bruno Borges, publicado no ano de 2017 pela editora Arte e Vida, com 191 páginas, divididas em 8 capítulos.

Pensamos ser necessário, antes de mais nada, dar uma explicação sobre a introdução desta resenha e o porquê da nossa ênfase de que não fosse pelo motivo apresentado, este título não estaria aqui. Tudo isto se dá por uma razão deveras simples: este não é um livro religioso, esotérico, nem tampouco, ocultista. Toda a aura criada em seu entorno, e até mesmo a criptografia usada para codificar o seu conteúdo, que aparentemente levara os mais incautos a conclusão de que esta obra continha algo de místico e secreto, parecem muito mais fazer parte de um plano de maquiagem que traveste uma ideia simples, na tentativa de torná-la bela e atraente, que efetivamente necessária para uma verdade transformadora e revolucionária. Já que isso, diga-se de passagem, é o que menos encontramos aqui.

Borges inicia seus argumentos sobre a premissa de que os seres humanos são basicamente comuns uns aos outros, mas que nos diferenciamos verticalmente dos outros animais por nossas capacidades de comunicação e absorção do conhecimento. Entretanto, para sermos efetivamente singulares como seres pensantes, para nos diferenciarmos uns dos outros e do coletivo de homens e mulheres que vivem apenas para reproduzir e sobreviver,  precisamos investir constantemente na absorção do conhecimento. Se nos fosse pedido um resumo para o livro, consideramos que este parágrafo seria mais que suficiente para explicá-lo. 

Seu título, Teoria da Absorção do Conhecimento, doravante TAC, nos dá o vislumbre sobre o único ponto a qual o livro se apoia: quanto mais conhecimento absorver, mais conhecimento terá. Sim, esta impressão lógica que se tem logo ao ler suas primeiras páginas é a exata sensação de que é lógico que isto irá ocorrer a qualquer um que acumular conhecimento. Dito de uma outra maneira, nos parece bastante óbvio para todos que se uma pessoa se dedica a uma determinada área do conhecimento, ou a várias delas, e investe constantemente no acúmulo de informações, esta pessoa terminará com mais conhecimento acumulado que a maioria, e naturalmente se destacará dentre a massa. E é necessário um livro inteiro para dizer isso?

Mas a principal pergunta que nos fazemos é: será que Bruno Borges acha que isso não é óbvio para todo mundo? Será que considera que esta conclusão é de fato revolucionária e que o apontamento desta obviedade fará com que as pessoas passem a devorar livros e buscar o conhecimento ininterruptamente? Ou será que as pessoas tem, mesmo que de forma subjetiva, a exata noção disso, mas que consideram que no sistema sócio-político a qual vivemos, existem outras maneiras de se destacar que não necessariamente a intelectual, como através de habilidades físicas dos desportistas, por exemplo, e que portanto, o acúmulo de conhecimento não seja a única possibilidade para o sucesso?

Tudo bem, vamos considerar que o autor da TAC tenha noção destas outras possibilidades, mas que queira focar sua observação e método apenas sobre este ponto. Consideremos que sua premissa tenha um viés evolutivo, baseado na ideia de que quanto mais sábios formos, melhor seremos. Portanto, voltemos a linha de raciocínio. Segundo sua perspectiva, um indivíduo com um determinado quantitativo de conhecimento prévio, somado a um número de conhecimento posterior, culminará num resultado de conhecimento maior para ele próprio e, posteriormente, para o coletivo. Em outras palavras e para ilustrar melhor a questão, digamos que se hipoteticamente você tem 10% de conhecimento acumulado, somados a mais 20% de conhecimento adquirido, resultará em 30% de conhecimento total. Sendo assim, se a massa de seres humanos tem uma média de 15% de conhecimento permanente, ao acumular e manter o processo constante de absorção de conhecimento, você se destacará e distanciará cada vez mais de todos os outros, ad infinitum. Seria então este o motivo para aqueles indivíduos considerados gênios terem comportamentos por vezes excêntricos, e serem comumente taxados de loucos, pois o resto da humanidade não alcançaria intelectualmente o nível da sua genialidade e de suas percepções de mundo.

Pois bem, até aqui pensamos que a ideia central fora plenamente exposta. Mas o livro traz mais gráficos, proporções e porcentagens, desta vez para explicar como impulsionar a sua absorção de conhecimento. Uma vez entendido que é através do acúmulo de conhecimento constante que o ser humano pode se destacar dentre os outros, Bruno cita uma sequência de elementos que podem ajudá-lo, ou prejudicá-lo, de acordo com suas escolhas, nessa empreitada. Segundo ele, um indivíduo que sublime sua sexualidade, a ponto de não relacionar-se sexualmente, reproduzir ou constituir família, terá mais sucesso em sua teoria. O mesmo para aqueles que sejam vegetarianos e tenham um sono polifásico. Nesta junção, um indivíduo que não pratique sexo e não constitua família, não coma carne e durma pouco, terá muito mais chances percentuais na TAC que um outro que não atente para estes pontos. 

Neste conjunto cita uma série de personalidades, que de acordo com suas conclusões, seguiam de forma total ou parcial este planejamento, tais como: Leonardo da Vinci, Platão, Isaac Newton, Jesus Cristo, Albert Einstein, Heráclito de Éfeso, Michelangelo, Hitler ...dentre outros, incluindo nesta lista até mesmo Michael Jackson, referido pelo autor como um sábio assexuado. Portanto, para Bruno Borges, gênios não nascem gênios, mas se fazem assim.

O livro é repetitivo, cheio de erros de revisão, não se baseia em nenhuma ideia religiosa, esotérica ou ocultista, salvo a citação de algumas personalidades e sociedades secretas de maneira muito superficial, apenas como exemplos, e não traz nada de realmente surpreendente: é apenas uma organização teórica para uma conclusão comum e lógica; quanto mais você estudar, mais conhecimento vai ter, com isso vai se destacar intelectualmente dentre a maioria e ampliará sua capacidade de criar. Não temos dúvidas, suas 191 páginas poderiam ter sido reduzidas a 1/4 deste total, e isso não lhe faria a menor diferença.


Seu contexto? Sensacionalista.
Seu autor? Pretensioso.
Seu conteúdo? Dispensável.

por Allan Trindade



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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Em meados do século XX, um músico e  ex artista circense daria início a uma nova religião após o lançamento de um livro que atrairia a simpatia de muitos, e a antipatia de tantos outros. Seu autor? Anton Lavey. Seu título? A Bíblia Satânica. Genial, devemos por princípio considerar. Isso porque seu nome reúne em si duas palavras de impacto tão forte sobre o imaginário e religiosidade popular, que sua simples menção causa desconforto na maior parte da população, e tem um poder intrínseco de atrair a atenção e curiosidade de todos, sejam eles crentes ou ateus. 


E quanto a isso não há com que se estranhar. Pois para a maioria das pessoas, o vocábulo bíblia não é um simples substantivo, usado para definir qualquer conjunto de livros reunidos num único tomo. Mas tem uma relevância espiritual, consideram-no sagrado, e por isso mesmo, usam o termo de forma quase sempre generalista para se referirem aquela bíblia específica, a dos cristãos, a Bíblia Sagrada. E se para muitos a palavra bíblia é sagrada por si, quão herético seria vê-la junto da palavra satânica?

Satã, o rival, opositor, o inimigo daquele 'Deus Sem Nome' dos judeus que também transforma um substantivo comum em nome próprio. Apontado como fonte de todo mal, personificado por uns como tendo a forma de um bode - por vezes um tanto quanto indecente -, e por outros tantos como sendo um anjo andrógeno de feições virginais. Sentenciado como indutor de estupros de crianças até batidas acidentais com o dedo mínimo do pé na quina do sofá. 


Se injustiçado ou justamente condenado, não sabemos. Mas nos parece digno que  após tantos anos de acusações, e a falta de consenso sobre quem, ou o quê, ele seja, que um de seus representantes tenha se erguido para finalmente falar em seu nome.

A BÍBLIA SATÂNICA é um livro escrito por Anton Szandor LaVey, publicado no ano de 2010 pela editora Saída de Emergência, com 191 páginas, divididas em 4 livros internos.

Esta é uma edição portuguesa, e portanto, algumas das palavras e expressões usadas podem causar certa estranheza aos leitores brasileiros. Não apenas pelas diferenças ortográficas que compartilhamos mas também pelo uso e escolha dos tradutores sobre alguns termos específicos, geralmente traduzidos por nós de forma literal do inglês, e não interpretados, como assim o fizeram. Para exemplificar; Left Hand Path, costumeiramente transposto em terras tupinikins como Caminho da Mão Esquerda, fora definido como Via Antinomiana por nossos irmãos lusitanos; Lesser Magic (Baixa Magia) como Magia Mundana; Black Magic (Magia Negra) como Caminho Relativo, além de outros, todos devidamente explicados num glossário nas páginas 190 e 191 desta edição.

Ainda dentro do contexto além mar, em sua introdução, Lurker nos fala sobre sua experiência e encontro junto ao caminho satânico, o entendimento do povo português sobre o assunto, e a criação da Associação Portuguesa de Satanismo, fundada com o objetivo de divulgar e esclarecer a verdade sobre esta nova religião. Em seguida, Peter Gilmore nos conta sobre sua entrada na Church of Satan, traz uma pequena biografia de seu fundador, além de citar filmes, documentários e os livros que vieram em seguida a este, celebridades que passaram pela igreja e as razões para ter se tornado seu sumo sacerdote. Estas introduções, explicativas e bem desenvolvidas, contribuem muito positivamente para o entendimento de todo este contexto.

O prefácio assinado pela Church of Satan fala como que em forma de manifesto sobre quais são os objetivos deste livro: ser uma resposta aos grimórios, tratados e documentos antigos de magia que, segundo eles, com raras exceções, "...não passam de divagações santimoniais fraudulentas - devaneios dominados pela culpa, e de uma algaraviada esotérica levados a cabo por cronistas do saber mágico, incapazes ou relutantes em apresentar uma perspectiva objectiva sobre o assunto. " pg.34. No prólogo, expõe sua visão sobre os deuses da Via Nomiana (Mão Direita) e de suas brigas para perpetuarem suas mentiras e de seus sacerdotes. Saúda Satã e a carne, alegando que sua era finalmente chegara, e que uma grande igreja será erguida e consagrada em seu nome. Tudo isso de uma maneira um tanto poética, porém, sem muita elegância. 

Por fim das introduções nos traz uma lista chamada "As Nove Declarações Satânicas", com uma sequência explicativa sobre aquilo que Satã representa; ideias, sentimentos, ações e reações. Nada de descrições sobre uma figura personificada com chifres ou qualquer outra forma por aqui. E é a partir deste ponto que o livro se subdivide em quatro, o que justifica seu título de bíblia, cada qual associado a um ser demonizado, a saber: O livro de Satã, O livro de Lúcifer, O livro de Belial e O livro de Leviathan.

No Livro de Satã, relacionado ao elemento Fogo, LaVey esclarece que os difamadores deste ser sempre tiveram voz, foram ouvidos, pregaram a caridade, mas nunca deram a chance para o representante do mal se defender de seus ataques. O que - segundo o autor - é uma atitude ingrata, uma vez que não fosse por Satã, suas igrejas não teriam o sucesso que tem, afinal de contas para dizer-se bom é preciso definir e apontar quem é mal. O livro não nos fornece informações sobre como estas quatro divisões foram escritas, se por inspiração diabólica, conclusões racionais ou incorporação de algum ser espiritual. Entretanto, aqui LaVey mais uma vez encarna uma fala poética e assume a voz do próprio Satã. É inteiramente escrito em versículos, divididos em cinco capítulos, com parte de seu discurso voltado contra o contexto judaico-cristão. Fala sobre diretrizes ideológicas, atitudes esperadas para um satanista, mas acima de tudo: exalta o forte e despreza o fraco.

#8 Eu levanto bem alto o estandarte dos fortes! pg.44

#1 "Amai-vos uns aos outros" foi dito ser a lei suprema, mas que poder é que a tornou assim? Sobre que autoridade racional assenta o evangelho do amor? Por que razão não deverei eu odiar os meus inimigos - se os "amar", isso não irá me colocar à sua mercê? pg.46

#7 Odeia os teus inimigos com todo o coração e, se um homem te bater numa face, ESMAGA-O na outra! Liquida-o sem piedade, pois a auto-preservação é a lei mais elevada! pg.47


No Livro de Lúcifer, associado ao elemento Ar, abandona a forma de versículos - e assim o faz com todos os livros sequentes - e traz interessantes reflexões sobre a liberdade, alegando ser esta fruto da dúvida e não da verdade. Neste ponto é preciso que se tenha compreendido que a base argumentativa do autor é que a verdade não está engessada no tempo ou no espaço, é dinâmica e relativa, e portanto, uma religião, ou um livro,  que se pretenda ser a resposta ultimal e atemporal para todas as questões humanas, só pode ser falso. Sendo assim, se o Diabo é o pai da mentira, só pode ser ele o autor da Bíblia Sagrada. 

Neste livro, de natureza mais filosófica e questionadora, o autor nos fala sobre a inutilidade de rezas, sobre a hipocrisia do ódio disfarçado de amor praticado por muitos indivíduos que se escondem através de certas crenças, afirma que satanistas acreditam em Deus ao mesmo tempo que alega que as religiões, e seus deuses, são invenções humanas, e portanto, melhor fariam as pessoas se investissem seu tempo e energia em lutar pelos seus quereres, ao invés de implorar por eles. 

Aqui ainda confronta especificamente uma série de crenças e práticas cristãs, aponta a dissimulação de algumas religiões neo-pagãs, de tradição no caminho bruxaria, que apesar do discurso de emancipadas, mantém a crença de que seus feitiços não podem ser praticados por vontade pura e simples do feiticeiro, acreditando estarem subordinados a uma lei de tríplice retorno que por fim os tornam nada menos que cristãos compassivos disfarçados, e portanto, segundo ele, menos respeitáveis que os verdadeiros cristãos.

Lúcifer é certamente o mais significativo de todos os livros, não apenas pela maior substância de páginas, mas também por sua variedade de elementos contidos. Aqui se encontram muitas das explicações sobre o que é ser satanista, o por que do uso do termo e a diferença de suas ideias para ideias previamente existentes, das razões para o Satanismo ser uma religião, sobre a etimologia dos deuses e sua demonização pelos cristãos, lista uma série de demônios, fala sobre pactos, amor , temor, sexo, fetichismo, sadismo, masturbação, vampiros, prazer, sangue, sacrifícios, missas negras,  dentre outros. Se tivéssemos que dar uma referência direta para sanar suas dúvidas sobre o que é e o que pensa o Satanismo, seria este o livro a ser primeiramente lido.

O Livro de Belial, relacionado ao elemento Terra, é destinado as explicações sobre qual é o entendimento da magia dentro da doutrina satânica. Considerada neutra e isenta de qualquer conceito moral ou ético, é dividida em duas classes: magia ritual/cerimonial ou não ritual/manipulativa. Aqui, Anton reside suas ideias sobre a base de que a magia ocorre graças a manipulação e direcionamento de energias induzidas - ou auto induzidas - e direcionadas com o fim de causar determinados efeitos que de outro modo não ocorreriam. Sendo assim, magia é: " A alteração de situações ou acontecimentos de acordo com a vontade do indivíduo, os quais, usando-se de métodos normalmente aceites, seriam inalteráveis." pg.127

Veja que o conceito é comum e familiar para todos aqueles minimamente estudados nas ciências esotéricas. Para além disso e de forma mais específica, aparentemente, a premissa de seu trabalho mágico é sempre individual, mesmo quando feita em grupo, e a energia do indivíduo é acreditada como sendo a única responsável pela produção de todos os efeitos conquistados. Mas ainda sim, você encontrará evocações e listas de entidades demoníacas em várias partes do livro. 

Note que aqui usamos o termo "aparentemente" pois este não é o único livro escrito por este autor para explicar sua doutrina. Além disso, as práticas de sua igreja, ou até mesmo de seus adeptos, podem diferir das ideias que apresentamos através desta leitura. Portanto, que fique claro que as conclusões que assumimos aqui, são baseadas única e exclusivamente sobre as impressões que tivemos apenas ao ler esta obra em específico. 

Além das classes apresentadas acima, LaVey nos fala sobre os três tipos de ritual na magia satânica: O Ritual Sexual; O Ritual da Compaixão e O Ritual da Maldição. Seus ingredientes, onde cita uma séria de posturas mentais e condições temporais ideais para a realização destes ritos; uma sequência preparativa base para o cumprimento dos rituais, onde cita todo o passo a passo a ser produzido; além dos itens e paramentos para o rito, tais como: mantos, altar, o selo de Baphomet, velas, sino, cálice, elixir, espada, pênis, gongo e pergaminho. 

Por fim, chegamos ao Livro de Leviatã, associado ao elemento Água e que nos explana a importância da ênfase na fala durante o ritual, traz uma invocação a Satã e uma invocação para cada um dos três tipos de rituais satânicos. Conclui todo seu conjunto com as Chaves Enoquianas, expõe seu uso dentro do Satanismo e ressalta o poder contido nesta língua.

Este é um livro religioso, e tal qual a maioria deles, possui um discurso de natureza dúbia e em muitos momentos, contraditória. A argumentação de LaVey durante grande parte de sua fala leva o leitor a acreditar que a essência do Satanismo é ateística; que nega a existência de seres espirituais e até mesmo poderes ocultos passíveis de serem controlados e direcionados por seres humanos. Mas seu fim certamente não é este. Os últimos capítulos de sua bíblia apresentam uma série de conceitos e rituais que nos fazem questionar grande parte das afirmações enfatizadas em seu princípio.

Anton, aparentemente um ateu que acredita nos poderes invisíveis e projetáveis da mente humana, destila uma significativa parte de sua revolta contra as religiões judaico-cristãs, mas certamente peca ao cometer um erro corriqueiro, característico de pessoas que se deixarem levar pelo abalo de experiências traumáticas: o generalismo. Seu discurso é comum a muitos ateus: a frustração que o Cristianismo lhes causara, em muitos casos, faz com que se revoltem contra todas as religiões. 

Em muitos momentos de sua fala, ao se referir a outras formas de crença, ignora qualquer premissa metafísica e filosófica que elas apresentem, demonstrando uma certa incapacidade - ou falta de boa vontade - em considerar que sua verdade talvez não seja tão absoluta assim, julgando os outros como supersticiosos ou escravos de suas próprias ilusões. Aponta o dedo para aqueles de outras religiões que rezam pelos seus doentes, por exemplo, dizendo que esta é uma atitude inútil, mas traz instruções para um Ritual de Compaixão satânica, objetivando o mesmo fim. 

É certamente proselitista e ingênuo, ignorante ou talvez seja mesmo falso, ao dizer que o Satanismo é a única religião que permite e encoraja a liberdade sexual com honestidade, ignorando religiões pagãs, ou mesmo neo pagãs como Thelema, detratando Crowley, alegando que seus escritos fazem sentido apenas para thelemitas, porém esquecendo-se - convenientemente - que Thelema antecede em muitas décadas a criação de sua religião satânica, e que traz em si muitas das ideias vendidas por ele como sendo suas.

O Satanismo de LaVey é uma exaltação a carne e a materialidade. Prega a satisfação dos prazeres e a não preocupação com julgamentos divinos ou pós vida. Baseia-se na ideia de ação e reação, tanto a nível físico, quanto a nível psíquico, além de pregar a liberdade absoluta de todo ser humano. É essencialmente anti-cristão e fundamenta grande parte de sua ideologia contra a teologia e aos ditos seguidores de Jesus. É por vezes ateu, por outras é teísta, e em outras ainda deísta: encontramos certa dificuldade na hora de definir se de fato esta é uma religião que nega a existência espiritual de deuses - uma vez que tenha sido dito que eles são criações humanas - ou se apesar da crença de que estes deuses/demônios sejam criações humanas, eles existam em algum nível metafísico, e não apenas mental. Sua lógica é bastante confusa e dispersa, deixando o leitor sem ter certeza sobre no que, afinal de contas, o Satanismo acredita em termos espirituais. Em função de muitos destes elementos não podemos negar nossa decepção.

Para todos os ocultistas: o título traz uma série de questionamentos e apontamentos bastante pertinentes ainda nos dias de hoje. É um livro clássico, obrigatório, porém religioso, sendo assim, com as devidas ressalvas, recomendamos a leitura.

Para Satã: torcemos para que da próxima vez encontre um representante que escreva uma bíblia que não tenha a mesma característica da bíblia dos cristãos: a contradição.

Para o senhor Anton LaVey, pedimos desculpas pela sinceridade mas achamos importante lhe dizer: existem mais mistérios entre o Céu e o Inferno que supõe sua vã satania!


por Allan Trindade