domingo, 21 de junho de 2020

Os tempos modernos e a facilidade de acesso ao conhecimento parecem ter dado ao estudo do ocultismo um desenvolvimento nunca antes visto em sua história. Se imaginarmos as dificuldades que aqueles que vieram antes de nós provavelmente tiveram para fazerem suas investigações, sem acesso a internet ou mesmo bibliotecas físicas e virtuais, poderemos ter uma noção do esforço que fizeram para chegar aonde chegaram. E talvez isso também explique o porque de muitos destes terem se destacado não apenas neste campo do conhecimento mas em muitos outros, igualmente, ou quem sabe, ainda mais importantes para o desenvolvimento da humanidade. 

Nos dias de hoje declarar-se ocultista costuma gerar dois tipos de reações que em muitos casos estão relacionadas as próprias posturas e convicções dos indivíduos que assim o ouvem. Para alguns, tal enunciação gera um certo espanto, pois creem que aquele que assim se intitula seja alguma espécie de ser das trevas que faz pactos com demônios, assassina crianças nas horas vagas, veste um avental e conspira para, através de algum plano mirabolante, dominar o mundo. Para outros, tudo isso não passa de uma tolice e perda de tempo, e são estes também que costumeiramente nos comparam aos tipos bizarros que se apresentam em redes sociais ou programas televisivos, prometendo trazer o ser amado em 24 horas por uma boa quantia em reais, que dizem que podem provar a existência de Deus através da "física quântica", ou que falam por aí que bolores oriundos de infiltração são na verdade almas grudadas em seu banheiro. 

É mesmo uma pena que a ignorância e a falta de divulgação e pesquisa tenham criado esses tipos de conceitos sobre este caminho que sempre buscou entender o espiritual de forma racional e as razões para a nossa existência neste planeta. Quem sabe se um dia nas escolas tivessem nos ensinado que Isaac Newton fora um físico mas também um ocultista, as pessoas levassem tudo isso mais a sério. Que Platão fora um filósofo mas também um ocultista de seu tempo, as pessoas levassem tudo isso mais a sério. Que Pitágoras fora um matemático mas que provavelmente adquiriu seu conhecimento através do templo do deus Ptah, no Egito, e por isso seu nome, "Ptahgoras", as pessoas levassem tudo isso mais a sério. As personalidades históricas são várias. Os feitos, grandiosos. As conexões, inegáveis. 

Mas tudo bem que alguns não levem o ocultismo a sério. Pois ainda existem aqueles que assim o fazem.

MAGIA TRADICIONAL é um livro escrito por Kayque Girão, com 128 páginas, divididas em 3 três partes e foi publicado no ano de 2019 pela Daemon editora.

O imaginário humano. Assim nos introduz nesta obra Rafael Resende Daher, levando-nos a refletir sobre como nossa mente fora capaz de pensar os mais diversos tipos de seres fantásticos, tais como espíritos e deuses sob as mais diversas formas e personalidades, para explicar este estranho sentimento do além. Não, o editor não sugere que a imaginação seja um elemento isolado e destacado da realidade, como se tivesse a única função de preencher uma lacuna neurótica presente em nossa mentalidade, pintando em nosso imaginário o absurdo. Nem tampouco nos parece esta uma premissa ateística. Mas sugere que a imaginação seja também uma ferramenta usada por nosso cérebro para nos conectar aquela estranha sensação da existência do espiritual, que por não podermos provar, ou perfeitamente explicar, nos força a comparar e imaginar.

A partir desta premissa, o próprio avanço científico e desenvolvimento do homem em busca da verdade fora capaz de alterar a maneira como a imaginação sobre o divino deu-se no decorrer de milhares de anos, para alguns, sempre baseada sobre esta mesma certeza do além. Deus poderia até mudar de forma, ou mesmo posição, as  vezes visto de maneira verticalizada, as vezes horizontalizada, ou até mesmo negado, mas sempre presente. Da sua imaginação e função, toda uma miríade de seres, conceitos e sistemas surgiriam com a genuína intenção de compreender. Daí nasceria então a filosofia oculta.

Daher introduz a obra destacando o trabalho de pesquisa de Kayque Girão, os temas abordados pelo autor, tais como o da Astrologia, dos sonhos e das drogas, sua lucidez e fundamentos para tratar do ocultismo sem com isso ignorar sua evolução de prática e desenvolvimento de seu conhecimento. 

Girão abre o livro nos falando sobre as conexões existentes entre a Magia e a Astrologia, da importância que a última tivera para agricultores a partir da observação de correlações entre o movimento dos astros, os plantios e colheitas, estações e demais conhecimentos adquiridos e associados, fazendo com que o astrólogo, que predizia, se tornasse também o mago, que controlava, conectando ambas as funções em um só ofício. O desenvolvimento do próprio conhecimento fez com que tal ciência se tornasse cada vez mais complexa, e aparentemente inacessível para aqueles que não lhe fossem totalmente dedicados. Para além disso, elementos religiosos acabaram por mesclar-se as próprias ideias astrológicas fazendo com que tal ciência se dividisse em vários segmentos, ora alinhados com elementos mágicos e magia talismânica, ora separados e voltados para uma relação especulativa com o divino e o destino do homem. Expoentes renomados destas ideias são apresentados  de forma mais ou menos cronológica, além de elementos religio-sócio-políticos de cada local e época, que neste ensaio, visam, conforme afirmação do autor, demonstrar que a Astrologia não é tão complexa como parece, especialmente em tempos de facilidade tecnológica.

Na segunda parte do livro, Kayque nos fala sobre drogas, o uso de tais substâncias no decorrer do tempo pelas mais diversas culturas, tais como: os hindus e gregos com o vinho, os judeus e a maconha, thelemitas, tal como Crowley, e a cocaína, além de citar Abramelin e o uso de seu óleo sagrado, provavelmente adicionado a canábis, e sua experiência com uma feiticeira que dizia poder comunicar-se com outras pessoas a quilômetros de distância quando besuntada por seu unguento.
Aqui o autor expõe ainda sua experiência pessoal com o fumo, lá pelos idos de 2014/2015, quando trabalhava como médium de Umbanda, percebendo então a conexão que o mesmo estabelecia com os espíritos, alterando o espaço e as consciências com sua fumaça, além de relatar suas vivências com o chá conhecido popularmente como Ayahuasca, ou Santo Daime.

Na terceira e última parte,  Girão nos fala sobre o ato de sonhar ser intrínseco a humanidade, e portanto, pretende traçar um caminho intermediário entre os extremos do academicismo e do misticismo, de modo a auxiliar o buscador em sua senda onírica. Ressaltando que o trabalho psicológico se faz tão importante quanto o mágico neste quesito, vide que em muitos casos os sonhos tratam simplesmente de nossas vivências ordinárias, a Arte Onírica encerra a obra.

Kayque Girão nos introduz a cada um dos temas com a qualidade que há anos vem apresentando em seus textos publicados nas redes sociais. A exposição de suas ideias nestes ensaios, com seu pensamento crítico, experiência pessoal, citações de autores clássicos e modernamente já consagrados, além de bibliografia, deixam claro que o ocultismo nacional tem, sem dúvidas nenhuma, um ótimo futuro pela frente se orientado por autores e trabalhos que compartilhem deste nível de qualidade. 

por Allan Trindade


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sábado, 13 de junho de 2020

Em um tempo onde pessoas clamam pelo retorno de sistemas 
políticos e ideológicos dignos das mentes
mais atrasadas e boçais, nunca se fez tão necessário o estudo da história. Divulgar elementos do nosso passado enquanto sociedade e seres que tendem a repetir biológica e ideologicamente ações herdadas de nossos genitores, torna-se elemento fundamental  para tentar  evitar que aqueles mais suscetíveis aos discursos inflamados dos fanáticos e idólatras, não sejam infectados por suas falácias de "nos dias de hoje" ou "na minha época não era assim", induzindo-os a falsa ideia de que somos, enquanto seres humanos, absolutamente diferentes de nossos antepassados. 

Não há dúvidas, as coisas mudam. Porém, mudanças tecnológicas tendem a ser muito mais rápidas e eficientes que mudanças fisiológicas. Se podemos dizer que nos últimos 100 anos a humanidade alcançou avanços científicos nunca antes vistos em nossa história, biologicamente mudamos pouco ou quase nada em relação a nossos ancestrais de 4.000 anos atrás. 

Se podemos afirmar que o apaixonado grego ao trovar seus versos expunha e imortalizava seu amor através de suas palavras, atravessando as barreiras do tempo e encontrando correspondência no coração dos amantes dos dias de hoje, o mesmo pode se dizer daquelas também palavras milenares que propagavam o ódio contra o diferente, continuamente sendo reproduzidas através da boca de alguns cristãos, ideólogos políticos e relacionados até a presente data. 

Tal como o amor, o ódio não é uma exclusividade dos nossos tempos. Mas o despertar de flagrantes manifestações de burrice e ignorância frente a facilidade de acesso ao conhecimento tal como nunca antes vista, parece ser mesmo um fenômeno inédito e característico desta era.

Se antes poderíamos dizer que as pessoas tomavam determinadas atitudes por serem analfabetas ou não terem acesso ao conhecimento, qual será a desculpa para, nos dias de hoje, ainda existirem indivíduos que pensam e agem como neandertais, sedentos por discriminar, agredir ou matar o outro apenas por ser diferente?

LIBER QUEER é um livro escrito pelos membros do Círculo da Viada Chama Púrpura, com 213 páginas divididas em 24 capítulos e foi publicado no ano de 2019 de maneira independente.

Acredite, a homossexualidade sempre existiu em meio a humanidade. É um fenômeno tão comum quanto qualquer outro, encontrado inclusive em meio ao comportamento de animais não humanos. Você provavelmente já deve ter visto dois cachorros machos tentando fazer sexo entre si. Ou mesmo duas cadelas. Assim como os golfinhos que em sua adolescência ensaiam o sexo antes de reproduzirem com as fêmeas. Ter consciência disto não implica que você precisa fazer o mesmo. Nem tampouco que você tem o direito de impedir o outro. É simples, não?

Nada incomum. Nada anormal. Tudo devidamente evidenciado pela ciência e registrado  na história. E se por um lado temos algumas religiões que tentaram e tentam criminalizar tal comportamento, toda uma série de outros sistemas místicos sempre trataram tal fenômeno tal como ele é: uma parte intrínseca da existência humana. E para apontar tais fatos que o Círculo da Viada Chama Púrpura reuniu uma série de indivíduos LGBTQI+, para falar não apenas como membros desta comunidade, mas como graduados academicamente, e portanto, qualificados cientificamente para participarem da produção desta obra.

O objetivo aqui pode ser dividido em três aspectos:

Primeiramente objetiva apropriar-se do termo e ideal queer, traduzir e correspondê-lo a palavra que mais se aproxime do mesmo sentido em seu original. Queer em inglês representa tudo aquilo que é excêntrico, marginal, exótico, bizarro e sexualmente reprovável. Perceba que aqui dizemos que não se trata de ser excêntrico OU marginal, exótico OU bizarro, mas tudo isso amalgamado num só conceito. Isto é o queer. Refletindo sobre qual palavra em nossa língua mais se aproximaria daquela, concluíram então que 'viado' seria o mais adequada para tal, visto que tal como seus co-semelhantes estrangeiros, a apropriação do xingamento representa também uma atitude política de empoderamento frente ao constante processo de naturalização da discriminação e assassinato de homossexuais e relacionados. Tal atitude poderia ser traduzida como: " Sou viado mesmo, e daí?! ";

Em segundo lugar o livro visa elencar os elementos históricos que apresentam indivíduos LGBTQI+ sob as mais diferentes funções religiosas e correlações divinas, apresentando uma série de estudos onde tais pessoas eram não apenas conhecidas e aceitas dentro das sociedades antigas, como também e em muitos casos, adoradas como divindades encarnadas vide sua excentricidade frente a dicotomia do gênero estabelecido, a saber homem e mulher, transcendendo tal dualidade. Ou mesmo no campo da sexualidade onde homens poderiam ser adorados por outros homens com intenções místicas e sexuais, de tal modo que cidades e religiões inteiras foram criadas para este propósito. Aqui tratam ainda daqueles seres espirituais, deuses e deusas que foram capazes de mudar suas formas e sexualidade apenas pela possibilidade de contato com outros seres divinos ou mesmo seres humanos;

Como um terceiro e último elemento, a edição nos apresenta uma série de rituais, listas de correspondências, instruções para altares e até mesmo sigilos e pantáculos voltados para o fortalecimento e proteção do público LGBTQI+.

Liber Queer pode ser visto como uma espécie de manifesto. Tal publicação não tem uma intenção puramente literária, mas social e política. Tal como o queer, agrega tudo, discrimina nada. Visa preencher a lacuna sentida por muitos membros de tal comunidade que nunca puderem se ver representados nas modernas publicações religiosas ou ocultistas, sendo também e sempre relegados ao campo da indiferença, negação ou rejeição. Aqui, gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais e todo o conjunto de indivíduos pertencentes a este universo contribuem, cada um a sua maneira, com um pouco de sua vivência e sugestão para que todos possam encontrar também na magia um pouco de amor e muito mais de paz.

" tomai vossa fartura e vontade de amor como quiserdes, quando, onde e com quem quiserdes!" - AL I:51

por Allan Trindade