segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Uma vez a cada semana a cena se repetia: com certa dificuldade, me espremia e esquivava das pessoas dentro do metrô lotado, lutando para conseguir sair intacto com minhas telas e molduras, evitando os olhares contrariados dos egoístas que por certo achavam um absurdo eu estar ali com qualquer coisa que não fosse uma mochila ou bolsa pequena e, de preferência, amassável. Na verdade, penso que a maioria das pessoas desejavam que ninguém mais estivesse ali, fosse na situação que fosse. 

Para mim era um prazer poder estudar no Centro de Artes Calouste Gulbenkian e, apesar da rotina no caminho, sempre fiz questão de olhar as coisas ao meu redor como se fosse a primeira vez. Os camelôs com suas barraquinhas de doces, o jornaleiro, o prédio em construção, a Sapucaí - tão aparentemente menor quando está vazia e não é Carnaval - e o viaduto com um cruzamento de carros e sinais tão confusos, que o melhor seria que eu fosse um avatar de Skanda para conseguir olhar em tantas direções ao mesmo tempo. E fora justamente nele que algo diferente ocorrera desta vez. Lá estava, colado bem no alto de sua lateral, um cartaz onde em letras garrafais se lia:


HALLOWEEN É SATANISMO. BRASIL, PAÍS CRISTÃO! 


O movimento que produzira o mesmo, do topo de sua má fé, ou ignorância, sublinhou as palavras Halloween e Satanismo com as cores azul e vermelha - quem sabe de modo a induzir subliminarmente uma referência aos Estados Unidos -, enquanto que Brasil e cristão traziam as cores verde e amarela abaixo. 

Talvez eles não soubessem que o Brasil não é cristão, mas é constitucionalmente um país laico. Talvez eles não soubessem que os EUA não são a origem do Halloween. Talvez eles não soubessem que mesmo a Inglaterra não representa a totalidade da fonte desta celebração. Talvez eles devessem pensar que um país tão mestiço e sincrético quanto o nosso, devesse celebrar o entendimento e a pluralidade cultural. Talvez eles devessem estudar um pouco mais antes de colar asneiras por aí...talvez, só talvez.


A ÁRVORE DO HALLOWEEN é um livro escrito por Ray Bradbury, publicado pela editora Bertrand Brasil no ano de 2014, com 155 páginas divididas em 20 capítulos.

Era Halloween. A noite mais esperada por aquele grupo de nove meninos que consideravam esta a data mais especial de todo o ano. Vestidos com suas fantasias de monstros, fantasmas e caveiras, estavam mais uma vez reunidos para sair pelas ruas de sua pequena cidade e bater de porta em porta em busca de suas recompensas. Sim, todos prontos, porém faltava um deles. O mais arteiro e generoso de todos simplesmente não aparecera até aquele momento. O que teria lhe acontecido?

Preocupados com a ausência de seu amigo mais especial, os oito meninos vão em direção a casa de Pipkin e lá o encontram, um tanto estranho, sem todo aquele vigor contagiante a qual todos estavam acostumados a ver em sua face, desta vez pálida e esquisita. Sem querer dar detalhes sobre suas condições de saúde, o jovem pede apenas que seus amigos iniciem a caçada por doces sem ele, pois os encontrará em seguida. Nos limites da cidade, o grupo de fantasiados chega ao local mais assustador de todo o perímetro: uma ravina repleta de cogumelos, animais estranhos e noturnos. O destemido Skelton, vestido com sua roupa de esqueleto, vai na frente, cruza o local, e guia seus companheiros em direção a casa mais esquisita de toda a cidade, repleta de chaminés e janelas assustadoras, portões e aldrabas com faces humanas, e uma árvore gigante e horripilante, lotada de abóboras sorridentes e macabras. 

O que encontram por lá? 
Gostosuras ou travessuras? 
E por que não gostosuras & travessuras?!

A trama, cheia de magia e situações inusitadas, descreve as traquinagens dos garotos em suas viagens pelos continentes, no tempo e na história, para descobrir as possíveis origens de sua festa mais querida, acompanhada da doçura de valores como doação e amor, em nome da amizade. Egípcios e alemães, gregos e romanos, celtas e franceses, ingleses e mexicanos, estão todos aqui, dando sua contribuição para esta data tão especial.

O livro de Bradbury é uma daquelas histórias infanto-juvenis que nos cativam desde o enredo até a forma de sua escrita, simples e fácil de ser acompanhada. As ilustrações feitas por Joseph Mugnaini são um mimo a parte, e apesar de focadas no tema principal da história - mortos, bruxas, morcegos, cemitérios e fantasmas, assustadores para a maioria das pessoas - tem o mesmo tom singelo que Ray traz em sua narrativa. 

Ao ler certas sinopses ou resenhas por aí, é provável que você se depare com a afirmação de que este livro se propõe a explicar de forma romanceada as origens do Halloween. Isto é em partes verdade, mas não de todo. De modo a evitar dar spoilers, vamos nos ater a dizer que este livro não tem grandes pretensões históricas, de de fato explicar as origens desta celebração através de um viés acadêmico ilustrado por uma história para crianças e adolescentes. Não. Entretanto, o livro traz de forma simples, referências filosóficas sobre as possíveis relações existentes entre a origem da comemoração do Dia de Finados em diferentes culturas ocidentais, o conceito do mito solar e em especial, sobre como lidar com a morte.

Este é um título indicado para todas as idades, para aqueles interessados no tema religião, e até mesmo, na temática esotérica. 

E apesar do contragosto de alguns, acho que desta vez seria ótimo encontrar, em um viaduto qualquer, não um cartaz demonizando uma festa pagã, seja ela qual for, mas um pôster anunciando a exibição nos teatros de A Árvore do Halloween. Afinal de contas, arte e conhecimento nunca são demais, mas ignorância é.


por Allan Trindade


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