quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Repare. É costume ouvir o povo dizer que um bruxo ou bruxa 
muito antigo deixou como legado manuscritos, diários ou manuais contendo diversas receitas sobre suas façanhas e feitiços. Para alguns, tais livros contém inclusive um poder intrínseco e estar em posse deles significa atrair para si sempre o risco de que lhe tragam poderes surpreendentes ou maldições que podem destruir a sua vida e a dos seus. De fato, não podemos desconsiderar todo este tipo de falação, uma vez que existam uma série de pergaminhos e grimórios que chegaram até as nossas mãos graças ao registro de magistas anteriores, contendo muitas das características descritas pelo populacho.


Entretanto, oriundos de uma época onde o analfabetismo era regra, não há de se esperar que tais objetos existam por aí aos montes, que sejam tão numerosos quanto as numerosas vítimas covardemente acusadas, torturadas e queimadas por crime de bruxaria pela Santa Inquisição. Não. Escritos dessa natureza eram raridade em épocas outras. Foram os tempos modernos que popularizaram a educação e garantiram acesso a todos, de forma indiscriminada, ao aprendizado da escrita e da leitura.

Com a chegada de uma nova era para o mundo da espiritualidade, a perseguidora perdeu sua força, a liberdade tomou seu lugar nos novos séculos, a educação se fez democrática e a ciência pode respirar aliviada. Nesta nova geração, muitos dos nossos hábitos e práticas foram repensados. O proibido praticamente já não existia mais, e portanto, era preciso compensar o tempo perdido. Uma nova linhagem de magistas surgiu, preocupados com a investigação genuína do campo espiritual, destinados a eliminar de uma vez por todas as superstições e se livrar definitivamente das amarras das crenças escravistas.

Sendo assim, transcrever suas experiências não é apenas um dever pessoal, mas também científico e político. É graças a isto que as próximas gerações poderão dar continuidade ao trabalho que nós perpetramos - assim como nós bebemos das fontes daqueles que nos antecederam - para que jamais caiamos no limbo da ignorância novamente. O seu Diário é a mais poderosa de todas as suas armas mágicas. Ele é a sua fonte de Luz Inextinguível. Ele contém os ingredientes necessários para sua Transmutação. Ele é a sua garantia para uma Longa Vida.


ALEISTER CROWLEY E A PRÁTICA DO DIÁRIO MÁGICO é um livro escrito por James Wasserman, publicado pela Madras editora no ano de 2009, com 234 páginas.

Este é um livro voltado especialmente para iniciantes e que trata de uma das Armas mais importantes dentro do Arsenal mágico thelêmico. Nele, James Wassermam se ocupou em fazer uma pesquisa sobre os libri aos quais destacam a importância do Diário mágico na vida de um thelemita e sobre a especial atenção que há de ser dada para este tipo de registro, que deve ter por norte sempre o slogan da A.'. A.'.: o método da ciência e o objetivo da religião.


Crowley insistia para que todos os estudantes mantivessem um diário mágico. O diário é um requerimento formal do Colégio Externo da A.'. A.'. (ver Liber CLXXXV, em Equinox IV, 1, Commentaries on the Holy Books) e necessário para a maioria das práticas. 'One Star in Sight', o manifesto da A.'. A.'. publicado pela primeira vez em Magick in Theory and Practice, em sua descrição dos Graus de Ipsissimus a Probacionista, dá numerosos exemplos da relevância do diário mágico em todos os níveis de realização. Crowley acreditava que o diário acompanhava o magista ao longo de toda a sua carreira. Em apoio a essa opinião, poderia ser citada a descrição de Crowley para os Graus de Magus e de Mestre de Templo, presentes em 'One Star in Sight', em que ele menciona tanto os seus diários quanto os de Frater Achad. pg. 25 - 26



Nesta primeira parte,  o autor fala de forma reduzida sobre sua biografia, de Crowley e de Stansfeld Jones,  traz ainda algumas dicas sobre como lidar com seus registros, desde o seu aspecto físico, comparando diários de capa dura com aqueles virtuais, até a importância da honestidade necessária nestas transcrições, que lhe capacitarão a avaliar suas próprias experiências e conclusões daquele tempo, tanto quanto permitirão que seu instrutor faça uma avaliação mais precisa do seu progresso.


O diário pode ser uma ajuda real para a pessoa que seja honesta o bastante para registrar seus verdadeiros pensamentos e sentimentos e corajosa o bastante para revê-los à luz de experiências posteriores, quando suposições iniciais provem estar erradas. ...quando discute a respeito da Memória Mágica em Magick in Theory and Practice, Crowley provê outro excelente argumento para se manter cuidadosamente o Relatório mágico. pg. 34

O grande obstáculo é o fenômeno chamado de esquecimento freudiano; isso quer dizer que, embora um evento desagradável possa ser recordado de modo suficientemente fiel pelo mecanismo do cérebro, somos incapazes de lembrar dele ou o recordamos erroneamente, por ser doloroso. (MTP, p.51)



Em seguida, o livro traz alguns libri de diferentes classes da A.'. A.'. que servem como exemplos práticos de como Crowley mantinha ou avaliava os Diários de seus pupilos. João São João, uma publicação em classe C da Santa Ordem, é o registro de treze dias da tentativa de Mestre Therion para contactar Adonai. Repleto de detalhes sobre seus afazeres mais comuns, como sobre as pessoas que encontrara, estados de saúde e refeições, até sua devoção e ritualística para alcançar a tão desejada Consecução. Este liber é tido como um modelo ideal de relatório e desmistifica muitas das calúnias perpetradas contra Crowley e seu comportamento religioso. 

Os libri que se seguem são Liber CLXV - Um Mestre de Templo, 28 Teoremas de Magia, Liber E vel Exercitiorum, Liber O vel Manus et Sagittae e alguns extratos retirados de publicações diversas.


Este não é um título indispensável, mas serve bem para aqueles iniciantes nos caminhos mágicos interessados especificamente em Thelema. A participação de James é simples e representa a menor parte desta publicação: 'metade' dela é voltada para lhe dar noção da importância do Diário, com trechos selecionados de diversos libri thelêmicos e comentados por ele. Não fosse pela inclusão destes, talvez o livro não tivesse páginas suficientes para ser chamado de livro. Para iniciantes é um ponto de partida, para intermediários ou avançados, não vale tanto o investimento.

Mas independentemente de sua sua escolha sobre esta aquisição ou não, é preciso que se lembre daquilo que é mais importante por fim: apenas o registro do conhecimento nos fez, nos faz e nos fará evoluir.


por Allan Trindade


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