terça-feira, 17 de julho de 2018

Eu era criança quando a irmã do meu pai tinha um terreiro próximo a nossa casa. Minha mãe me avisou cedo que naquela tarde iriamos lá pois era dia de festa. Ao chegarmos tudo já tinha começado. Lembro-me de achar muito estranho o comportamento daqueles adultos vestidos de branco, mas ela me explicara que era gira de erê, e eles estavam com espíritos de crianças mortas no corpo.

Uns tomavam guaraná quente. Alguns brincavam com os presentes que tinham ganhado. Outros conversavam de uma maneira enrolada com os convidados. E tinha ainda aqueles que comiam as formigas do quintal - eu gostava destes em especial. Minha tia, trajada com seus paramentos de Mãe de Santo e com seu jeitão autoritário e de pouco riso de sempre, chegou botando ordem na bagunça. Bateu suas palmas, pediu silêncio a todos e mandou que os incorporados fizessem fila única.

Fiquei na varanda observando tudo. Um dos últimos erês da linha inclinou-se um pouco em minha direção, esfregou as mãos como que as aquecendo, e com uma expressão que era um misto de deboche com um leve semblante diabólico, sussurrou dizendo: " Obaaa! Hoje vou fazer uma macumbinha! "


UMBANDA NÃO É MACUMBA é um livro escrito por Alexandre Cumino, com 155 páginas e publicado no ano de 2016 pela Madras Editora.

Macumba tem sido um termo usado de forma dúbia, tanto por adeptos de algumas religiões brasileiras para designar seus credos e práticas, quanto por aqueles detratores que se apropriaram desta palavra e usam-na de forma pejorativa para ofender os seguidores destas crenças.

A similaridade, a ignorância e o medo, sem dúvidas, contribuem para muitas das problemáticas que envolvem o uso deste vocábulo. Por similaridade destacamos aqueles elementos comuns a maior parte das religiões de influência africana que surgem em solo nacional, que possuem relações com orixás e rituais de necromancia, além de agregarem elementos da cultura e religiosidade indígena.  Por ignorância entendemos a falta de interesse em compreender as diferenças entre estes diversos credos, que é, finalmente nutrida pelo medo de que sejam usados para a prática do mal. É para desfazer o generalismo e traçar as especificidades que Alexandre Cumino nos traz esta obra então.

Esta antologia reúne parte dos textos publicados dentre os anos de 2005 a 2013 no Jornal de Umbanda Sagrada e Revista Espírita de Umbanda,  além de outros exclusivos que aqui foram organizados de modo a dar ao leitor as condições não apenas de entender sua defesa, como para explicar as origens desta religião.

Umbanda não é macumba é o que argumenta o autor. De acordo com Alexandre, Macumba é o nome do instrumento musical de percussão, um tambor, que era utilizado em cultos afro-brasileiros no Rio de Janeiro. A pessoa que tovaca macumba era chamada de macumbeiro; logo, o culto se autodenominou Macumba, assim como sua dança e práticas, como as oferendas. Em geral, eram cultos de origem africana bantu (Angola/Congo/Cabinda), que incluíam rituais realizados nas encruzilhadas, em que sempre se deixavam suas oferendas, entregas e despachos. pg 15

Cumino ressalta que não haveria problema no uso do termo, caso este fosse usado de forma natural, porém, entende que o mesmo é verbalizado, na maior parte das vezes, de forma preconceituosa. Para além disso, o autor nos traz ainda os elementos que compõem a Umbanda e fazem dela uma religião, fundamentada, com origem e doutrina, e distante até mesmo das práticas oriundas das encruzilhadas cariocas.

Nascida em Niterói por intermédio de Zélio Fernandino de Moraes, a Umbanda surgiu através do descontentamento com a forma discriminatória na qual alguns espíritos eram tratados em centros kardecistas, e foi anunciada pelo Caboclo 7 Encruzilhadas, incorporado ao médium, pelos idos de 1908. De caráter e crença cristã, a Umbanda é então declarada como uma religião destinada a prática da caridade, sincrética e arquetípica, gratuita em todos os seus aspectos, que tem como único objetivo ajudar vivos e mortos no caminho do bem.

A partir daquele ponto, sagrava-se como uma crença organizada e doutrinária, com liturgias e ritualística próprias, que indiscutivelmente se distanciava de qualquer outra forma de prática da qual fora também herdeira, ou injustamente associada.

À continuidade do livro, os textos tratam do desenvolvimento da doutrina, discute a participação dos filhos genéticos e de santo de Zélio, e as mudanças e dificuldades que a religião enfrentara no decorrer de seus mais de 100 anos de existência.

Da nossa parte, acreditamos na importância do conhecimento da história e fundamento das religiões, especialmente para aqueles que se dizem pertencentes a algum segmento, ou para aqueles que se pretendam falar sobre. Este título nos traz todos os elementos necessários para a compreensão que de fato há uma distinção entre aquilo que a Umbanda é e aquilo que a Umbanda não é. Entretanto, num contexto onde tanto adeptos quanto escarnecedores fazem uso do mesmo termo para por vezes se referirem a toda esta conjuntura, a palavra macumba, por fim, talvez devesse ser entendida como neutra, dependendo sempre de quem e como a utiliza. 

Mas esta é a nossa opinião, e como não somos umbandistas, embora esta seja também parte da nossa origem e vivência religiosa, tanto por frequência quanto por ascendência, que as palavras finais desta resenha sejam aquelas de quem tem esta religião como prática de vida:

Dizer que Umbanda não é Macumba é muito mais que separar o joio do trigo. Para o leigo, tudo é Macumba e, mesmo para alguns de dentro, Umbanda é Macumba. No entanto, quando alguém fala: "Eu vou à Macumba", não dá para saber se a pessoa vai para o Candomblé, Catimbó, Tambor de Mina, Umbanda ou mesmo Espiritismo. E, por isso, fica muito claro que pode até ser engraçado dizer: "Eu vou à Macumba", mas em momento algum a palavra macumba define Umbanda, e por isso, podemos dizer com certeza que: Umbanda não é Macumba. pg 154/155

por Allan Trindade



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