terça-feira, 8 de setembro de 2015

Assassinatos. Falta de saneamento básico. Doenças. Tortura. Roubo. Mentira. Corrupção. Ignorância. Pobreza. Desafetos. Superstição. Sujeira. Vício.  Ilusão. Ciência. Religião.  Muitos poderiam tentar sugerir em que lugar afastado no mundo se ilustra este cenário. Outros tantos poderiam dizer categoricamente ser este o pano de fundo do lugar em que vivem. Entretanto, é provável que sua imaginação esteja lhe traindo neste momento e lhe distanciando algumas centenas de anos da realidade.

Os livros de história, filmes e discursos parecem descrever este local como seu exato oposto; um lugar onde, emoldurado por uma bela arquitetura sinônima, pessoas de gabarito educacional e exemplo de cortesia, dividiam as ruas de calçamento calcário em meio a lírios, rosas e carruagens guiadas por Andaluzes de marcha pomposa e crina trançada. Porém, a realidade é que na Europa do século XVI, ser rico era quase um fator cármico de casta, saber ler e escrever era um privilégio. O clima frio e a falta de condições (ou de interesse) para o asseio pessoal, fazia com que alguns seres humanos vivessem como ratos  em um esgoto a céu aberto, compartilhando seu lugar no mundo com toda sorte de animais e pragas, doença e todo tipo de sujeira, externa e interna, do corpo e da alma, exportando e importando desgraça, na ânsia de sobreviver.

Paracelsus e a Alquimia Medicinal é um livro escrito por Robson Fernandes de Farias, publicado pela editora Gaia, no ano de 2006, com 74 páginas. Com 4 capítulos, o livro possui introdução, um capítulo dedicado a biografia de Paracelso, um terceiro dedicado a seus feitos alquímicos e químicos e considerações finais do autor.

Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, ou como é comumente conhecido, Paracelso. Referência obrigatória para todo estudante sério de Alquimia, Paracelso foi nascido na Suíça no ano de 1493, porém, manteve durante toda sua vida uma rotina de peregrinação pelos meandros da Europa do século XV e XVI. Influenciado por seu pai, Wilhelm von Hohenheim, professor de Alquimia Teórica e Prática na Escola de Mineração, dedicou-se inteiramente ao estudo da Medicina, Mineralogia e Química até o dia de sua morte, sob circunstâncias controversas, no ano de 1541.

De personalidade forte e gênero tempestuoso, o menino mirrado, de caracteres físicos afeminados, era uma pedra nos sapatos de religiosos e eruditos de sua época. Convicto de suas capacidades e conhecimento, Philippus declarava-se superior em qualidade, competência e ética, não só daqueles que lhe eram contemporâneos, mas principalmente de Aulus Cornelius Celsius, famoso médico romano do século I, a qual tomou como referência para sua alcunha de Paracelsus; aquele que é maior que Celsus. 

Nascido em um dos períodos mais negros da história Europeia, este médico – alquimista, dedicou sua vida na tentativa de curar as mazelas do corpo e do espírito do povo. Entretanto, sua postura antagônica a predominância comportamental da época, lhe dificultavam o trabalho, e é possível que no íntimo de sua humanidade, a díspar de sua aparente prepotência divina, também necessitasse de algum consolo, já que era assolado pelo mal do alcoolismo.

Brigou com os ‘representantes de deus’ e com o mundo. Diferenciava alquimistas e médicos; tratando os primeiros como verdadeiros e humildes sábios, e reservava para os outros o adjetivo de pomposos ignorantes. Foi responsável pelo desenvolvimento de um dos ramos alquímicos mais práticos já vistos, a Espagíria. Viveu uma vida simples e humilde, com o objetivo único de colaborar com o conhecimento verdadeiro, na intenção de desvencilhá-lo da mesquinharia e a falta de compaixão, dominantes em sua época. Morreu sem deixar riqueza ou herdeiros...mas seu nome e sua sabedoria são lembrados até os dias de hoje.

Este é um título biográfico, no qual expõe a humanidade de um homem, que até hoje é referência para cientistas e ocultistas. A baixa quantidade de páginas impressiona em princípio mas seu conteúdo compensa qualquer má impressão neste quesito. Entretanto, apesar de uma vasta bibliografia, o autor, Robson de Farias, peca ao fazer citações atribuídas a Paracelso sem lhes dar as devidas referências de rodapé. Portanto, a não ser que você consulte todos os livros usados para esta pesquisa, você não saberá de que fontes especificamente as citações foram tiradas.

O livro tem um estilo simples, mas gostoso de ler. E apesar do peso e do drama reais a qual a história é retratada, a narrativa cativa, e provavelmente atenderá as expectativas inclusive de leigos dos dois campos, uma vez que a linguagem neutra utilizada pelo biógrafo, não apele para os termos excessivamente técnicos, sejam eles de cunho científico ou esotérico. Certamente uma confortável leitura para um clima mais ameno, acompanhado de um chá, num domingo ao fim de tarde!


por Allan Trindade


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