Assassinatos. Falta de saneamento básico. Doenças. Tortura. Roubo.
Mentira. Corrupção. Ignorância. Pobreza. Desafetos. Superstição. Sujeira.
Vício. Ilusão. Ciência. Religião. Muitos poderiam tentar sugerir em que lugar
afastado no mundo se ilustra este cenário. Outros tantos poderiam dizer
categoricamente ser este o pano de fundo do lugar em que vivem. Entretanto, é
provável que sua imaginação esteja lhe traindo neste momento e lhe distanciando
algumas centenas de anos da realidade.
Os livros de história, filmes e discursos parecem descrever
este local como seu exato oposto; um lugar onde, emoldurado por uma bela
arquitetura sinônima, pessoas de gabarito educacional e exemplo de cortesia,
dividiam as ruas de calçamento calcário em meio a lírios, rosas e carruagens
guiadas por Andaluzes de marcha pomposa e crina trançada. Porém, a realidade é
que na Europa do século XVI, ser rico era quase um fator cármico de casta, saber
ler e escrever era um privilégio. O clima frio e a falta de condições (ou de
interesse) para o asseio pessoal, fazia com que alguns seres humanos vivessem
como ratos em um esgoto a céu aberto,
compartilhando seu lugar no mundo com toda sorte de animais e pragas, doença e
todo tipo de sujeira, externa e interna, do corpo e da alma, exportando e
importando desgraça, na ânsia de sobreviver.
Paracelsus e a Alquimia Medicinal é um livro escrito por
Robson Fernandes de Farias, publicado pela editora Gaia, no ano de 2006, com 74
páginas. Com 4 capítulos, o livro possui introdução, um capítulo dedicado a
biografia de Paracelso, um terceiro dedicado a seus feitos alquímicos e
químicos e considerações finais do autor.
Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, ou
como é comumente conhecido, Paracelso. Referência obrigatória para todo estudante
sério de Alquimia, Paracelso foi nascido na Suíça no ano de 1493, porém,
manteve durante toda sua vida uma rotina de peregrinação pelos meandros da
Europa do século XV e XVI. Influenciado por seu pai, Wilhelm von Hohenheim,
professor de Alquimia Teórica e Prática na Escola de Mineração, dedicou-se
inteiramente ao estudo da Medicina, Mineralogia e Química até o dia de sua
morte, sob circunstâncias controversas, no ano de 1541.
De personalidade forte e gênero tempestuoso, o menino
mirrado, de caracteres físicos afeminados, era uma pedra nos sapatos de religiosos e eruditos de sua
época. Convicto de suas capacidades e conhecimento, Philippus declarava-se
superior em qualidade, competência e ética, não só daqueles que lhe eram
contemporâneos, mas principalmente de Aulus Cornelius Celsius, famoso médico
romano do século I, a qual tomou como referência para sua alcunha de
Paracelsus; aquele que é maior que Celsus.
Nascido em um dos períodos mais negros da história Europeia,
este médico – alquimista, dedicou sua vida na tentativa de curar as mazelas do
corpo e do espírito do povo. Entretanto, sua postura antagônica a predominância
comportamental da época, lhe dificultavam o trabalho, e é possível que no
íntimo de sua humanidade, a díspar de sua aparente prepotência divina, também
necessitasse de algum consolo, já que era assolado pelo mal do alcoolismo.
Brigou com os ‘representantes de deus’ e com o mundo.
Diferenciava alquimistas e médicos; tratando os primeiros como verdadeiros e
humildes sábios, e reservava para os outros o adjetivo de pomposos ignorantes.
Foi responsável pelo desenvolvimento de um dos ramos alquímicos mais práticos
já vistos, a Espagíria. Viveu uma vida simples e humilde, com o objetivo único
de colaborar com o conhecimento verdadeiro, na intenção de desvencilhá-lo da
mesquinharia e a falta de compaixão, dominantes em sua época. Morreu sem deixar
riqueza ou herdeiros...mas seu nome e sua sabedoria são lembrados até os dias
de hoje.
Este é um título biográfico, no qual expõe a humanidade de um
homem, que até hoje é referência para cientistas e ocultistas. A baixa
quantidade de páginas impressiona em princípio mas seu conteúdo compensa
qualquer má impressão neste quesito. Entretanto, apesar de uma vasta
bibliografia, o autor, Robson de Farias, peca ao fazer citações atribuídas a Paracelso
sem lhes dar as devidas referências de rodapé. Portanto, a não ser que você
consulte todos os livros usados para esta pesquisa, você não saberá de que
fontes especificamente as citações foram tiradas.
O livro tem um estilo simples, mas gostoso de ler. E
apesar do peso e do drama reais a qual a história é retratada, a narrativa
cativa, e provavelmente atenderá as expectativas inclusive de leigos dos dois
campos, uma vez que a linguagem neutra utilizada pelo biógrafo, não apele para
os termos excessivamente técnicos, sejam eles de cunho científico ou esotérico.
Certamente uma confortável leitura para um clima mais ameno, acompanhado de um
chá, num domingo ao fim de tarde!
por Allan Trindade
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