sexta-feira, 20 de abril de 2018

O Cristianismo é uma religião no mínimo controversa: carrega consigo o título do Deus que diz crer e seguir, se baseia num livro onde ele possui uma participação biográfica ínfima, apesar do dito amor ao próximo tem um histórico corrupto e sanguinário, possui uma mitologia oriunda de uma religião no qual os cristãos dizem pouco concordar - desde que isso lhes seja conveniente -, e que segue muito das diretrizes e dogmática de um apóstolo - aquele que chamam de Paulo -, que nunca vivera com Jesus, mas que parece representar bem para muitos cristãos o papel no qual seu Cristo deveria ser o protagonista.

É uma estranha característica desta religião que seus adeptos baseiem muitos de seus discursos em tudo aquilo que dizem não seguir, praticar ou acreditar, e isso tem por consequência comum fazer com que o Cristianismo transmitido pela boca de todo este povo se pareça com tudo, menos com os ensinamentos de seu próprio Deus.

Tão curiosa quanto toda esta percepção tem sido a impressão de que muitos ateus conhecem mais sobre o Cristianismo do que muitos dos alegados cristãos. Também pudera, para um contexto que sempre prezara pela quantidade, qualidade tem sido a menor de suas características.


CRER OU NÃO CRER é um livro escrito por Pe. Fábio de Melo e Leandro Karnal, com 191 páginas, divididas em 7 capítulos e publicado no ano de 2017 pela editora Planeta.

Religião não se discute. Esta tem sido uma máxima propagada largamente pelos mais variados contextos sociais como uma verdade inconteste. Mas por que um assunto tão importante para a sociedade não deveria ser discutido? Se este dogma social tem sido aceito pela maioria das pessoas comuns, aqui a história pretende ser diferente. Um historiador e um padre debatem as características e conclusões de seus posicionamentos de fé, em forma de um diálogo saudável e respeitoso, no qual também  usam de suas biografias para expor suas condutas e filosofia de vida.

Em seu prefácio, Mario Sergio Cortella cita comentários de ambos os autores para ponderar que apesar de estarem em posições opostas, são, antes de mais nada, seja no teísmo de Fábio ou no ateísmo de Leandro, indivíduos qualificados, que assumem suas posições com racionalidade e maturidade. Aqui, segundo o professor, crença ou descrença devem ser entendidos como frutos da sabedoria adquirida através do estudo e não como consequências incólumes da ignorância.

Karnal inicia o primeiro capítulo perguntando a Fabio o que o levara a se tornar padre, que qualifica como uma forma radical de fé, uma vez que esta exija entrega de vida ao sacerdócio. Fabio, por sua vez, esclarece que teve poucas experiências sobrenaturais, mas que a crença no humano e a relação com sua mãe e com a Igreja o levaram o abraçar o sacerdócio. Leandro, de sua parte, diz que sempre fora um ótimo católico, mas um péssimo cristão, e que após confessar um pecado, viu-se sem fé.  A partir deste ponto, aprofundam o diálogo sobre os mais diversos temas tendo como base a crença de um e a descrença do outro.

Os capítulos apresentados são: Crer ou Não Crer; Fé Versus Ciência; Qual a Importância da Fé? E de Deus?; A Religião Ajuda ou Atrapalha? E a Igreja?; Se Deus Não Existe, Tudo é Permitido?; Ter Fé Faz Falta?; A Morte: Esperanças e Medos no Horizonte do Ateu e de Pessoas de Fé.

Karnal é acima de tudo incisivo em suas colocações e passa a maior parte do diálogo tentando trazer Fabio para discussões sobre pontos específicos. Apresenta uma interpretação histórica sobre os elementos religiosos, alegando que muitos deles são frutos de percepções e necessidades humanas temporais, e que a falta de objetos futuros na literatura religiosa atestam isto, em detrimento a visão comum que se tem sobre a religião ser oriunda do sobrenatural.

De Melo é na maior parte do tempo evasivo e apela constantemente para argumentos pessoais para justificar sua fé. Diz ser consciente dos riscos que assume ao falar publicamente de suas ideias, já que muitas delas podem parecer não estar absolutamente de acordo com as verdades que prega a doutrina Católica. Leandro, aparentemente incomodado com esta postura, parece mesmo concordar com sua preocupação e define o padre como um sofista, alegando que seu catolicismo melhor seria taxado como 'Fabismo', uma vez que pouca relação parece ter com a dogmática da Igreja.


O tom, por vezes irônico de Karnal, é praticamente ouvido através de sua escrita, enquanto que o jeito acanhado de Fabio é igualmente sentido em suas falas. Esta é a característica marcante deste livro: enquanto um avança o outro recua, dando-nos mesmo a impressão de que quando um não quer, dois não brigam.


O livro é fluido e interessante a sua maneira, mas deixa a desejar no aprofundamento do debate. Não apela para um linguagem excessivamente rebuscada e muitas das especificidades são explicadas no seu final. Portanto, na falta de um conhecimento técnico sobre as personalidades e elementos apresentados pelos dois, que o leitor tenha em mente que o capítulo Nomes Citados e Glossário serão melhor aproveitados se forem consultados no decorrer da leitura.

Diferentemente do título que o inspirara, Em que Creem os Que não Creem?, produzido a partir das correspondências trocadas pelo cardeal de Roma Carlo Martini e o escritor Umberto Eco, esta publicação não possui um peso acadêmico, e passa mesmo a impressão de se estar junto a dois amigos, em um momento informal, conversando sobre um assunto que apesar de dito como 'proibido', sempre é discutido após umas boas doses de álcool em uma mesa de bar.

por Allan Trindade


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