domingo, 16 de abril de 2017


Paulo Coelho foi um dos meus primeiros mestres. Lembro-me até hoje quando, há cerca de 15 anos atrás, fiz  pela primeira vez a leitura de seu livro Brida. Eu, um pré adolescente que vivia o desejo de ser mago através dos dados, fichas e interpretações de personagens em jogos de RPG, vi em seu romance o mundo de encanto que eu sempre esperei viver, mas sempre pensei existir apenas nos filmes de Walt Disney.


O Diário de Um Mago surgiu apenas para aumentar ainda mais minha vontade: agora, além de ter a certeza de que a magia acontece no mundo real, através dele eu descobriria que ser um magista não era um dom, mas um ofício aprendido com muito estudo e prática, através de um tutor! 



Eu era uma 'criança', e como tal, agia como todas agem quando descobrem quem é o seu super herói favorito; não me interessava pela super força de um alienígena que ironicamente era chamado de Super Homem, não queria saber das garras e do jeito tosco do Wolverine, pelo Homem Aranha e sua relação com um dos aracnídeos que mais me causa pânico nesta vida, e muito menos por um cara que quando está puto, triplica de tamanho, fica verde e sem qualquer critério sai quebrando tudo, como o Hulk. Meu herói precisava ser um indivíduo que, através da inteligência e poderes especiais, conseguisse ter o que ele quisesse nesse mundo...


Adquiri todos seus livros, e em alguns casos, comprei até mesmo exemplares repetidos, só para ter um mesmo título com capas diferentes. Numa época onde a internet praticamente não era acessível, a falta de informação unida a um forte desejo criaram a ideia de uma realidade que provavelmente só existia na minha cabeça. Sim! Ele era meu mestre, me visitava de tempos em tempos nos meus sonhos, me levava para conhecer pessoas estranhas, falava e apresentava símbolos ocultos que eu não conhecia, me dava tarefas e ressaltava a importância de ser paciente...até hoje tenho em meus diários os detalhes destes momentos.



Descobri o endereço de seu instituto, escrevi-lhe falando do meu desejo de encontrá-lo fisicamente, mas tudo que recebia eram xerox de cartas prontas em agradecimento, com mensagens de natal. Se nos comunicávamos no Astral, por que tanta dificuldade para nos encontrarmos no Plano Material?! Mas eu não desistiria tão fácil. Minha persistência e pesquisa  revelariam aquilo que o planeta inteiro sabia, menos eu. 



A realidade, que não mede tamanho ou idades, chegou sem aviso prévio e desferiu um tapa no meio da minha cara que me despertou de todo aquele sonho para uma ingrata lição: Paulo Coelho não era meu vizinho, morador da zona sul do Rio de Janeiro, que a qualquer momento poderia me chamar para tomar um suco e falar sobre ocultismo em seu apartamento; mas um cidadão do mundo, escritor milionário, internacionalmente famoso, que muito provavelmente nunca soube da minha existência. 



A partir daquele momento eu caminhava só. 



Os sonhos cessaram. Anos se passaram, descobri outros autores que inegavelmente me ensinaram muito mais que seus romances e sua presença literária foi se tornando cada vez mais distante e escondida no fundo da minha estante. Mas uma dúvida sempre permaneceu viva na minha memória: afinal de contas, quem é este homem que dividia sua carreira profissional entre músicas e livros, viaja o mundo em nome de uma Sociedade Secreta que poucas pessoas ousam afirmar ser real, flerta com bruxas e pratica magia mesmo sendo abertamente um católico que dedica muitas de suas obras a Virgem Maria?


O Mago é um livro escrito por Fernando Morais, publicado no ano de 2008 pela editora Planeta com 632 páginas e dividido em 30 capítulos.



Antes de tudo é preciso que você mantenha em mente que esta é uma biografia autorizada por Paulo Coelho e que, portanto, as informações contidas neste título passaram pelo seu crivo. Tendo isso em vista, e antecipando alguns relatos estranhos apresentados pelo biógrafo, ao menos para nós, ocultistas, algumas questões passarão toda a leitura em aberto e te farão questionar por que um indivíduo que chama a si mesmo de Mago e empresta seu título ao livro, dá tão pouca importância a detalhes e precisões técnicas da sua relação com aquilo que chamamos e conhecemos como esoterismo.



Nascido na cidade do Rio de Janeiro, no dia 24 de agosto de 1947, foi natimorto em função da ingestão de mecônio, líquido amniótico e reanimado – segundo suas crenças - graças a ação mágica de sua mãe, que intercedeu por sua vida através de uma promessa feita a São José. De classe média, porém residente de uma vila familiar e superprotegido por pais católicos que tinham o desejo de ver o filho ingressar numa escola que fosse uma extensão das regras e duras disciplinas impostas em casa, ano após ano veriam seus planos frustrados pelo primogênito da família. 


Paulo faz uso constante do I Ching
para tomar suas decisões.

A vida em sua infância não fora tão fácil: além dele, mãe e irmã viviam em condições financeiramente limitadas graças ao sonho e investimento permanente do pai para a construção de uma mansão na Gávea, e a única exceção se dava para o estudo: Paulo tinha que estar nos melhores colégios. Entretanto o desejo de seus genitores parece não ter sido herdado pelo menino, que não apenas tinha um péssimo desempenho escolar, como já dava seus primeiros sinais de rebeldia e envolvimento com coisas ocultas: com cinco anos de idade criara sua própria sociedade secreta, a Organização Arco – junção das duas primeiras letras do sobrenome de seu primo, Araripe e do seu, Coelho. Especializada em sabotagens dentro da vila, a organização tinha documentos próprios e planos de ação; como estragar a maquiagem de suas primas, além de promover corridas de pintos que davam ao filhote vencedor a oportunidade de continuar vivendo e condenava os perdedores à morte por estrangulamento.



A compensação para a rigidez e os castigos que recebia por suas traquinagens vinha com as viagens para a casa de um tio excêntrico e abastado, morador de Araruama, que o introduziriam as primeiras experiências sexuais e fariam contraste com a culpa e a ideia de pecado fortemente marcada pelos ensinamentos e retiros católicos aos quais era submetido. Paulo descobre a poesia, que logo abandona e em seguida o teatro, onde começa a construir seu sucesso. O passar dos anos fariam ter uma certeza cada vez mais pungente e que o marcaria para sempre; a de ser escritor! 



As brigas constantes com sua família e as diferenças de objetivos contribuiriam fortemente para suas crises existenciais e depressão. Entre farras interestaduais e planos mirabolantes para impulsionar sua carreira profissional, trabalhou sem remuneração para jornais para poder ver-se livre das regras de sua casa e estar mais próximo dos intelectuais da sua época, quase foi assassinado após pegar um carro e atropelar uma criança de forma acidental, sacrificou uma cabra após evocar o Anjo da Morte e desistir do suicídio. Questionou sua própria sexualidade e foi para cama com homens sendo ativo e passivo. Apesar de constantemente referido como feio, viveu rodeado de mulheres, as quais nunca foi sexualmente fiel, mas concluiu, para alívio de sua mãe, que era apenas por elas que tinha interesse. Mergulhou nas drogas, foi internado por três anos consecutivos no Dr. Eiras por seus pais que duvidavam de sua sanidade mental e pego por duas vezes pela ditadura, primeiro por um mal entendido ocorrido numa viajem ao Paraguai e em seguida pelo envolvimento com Raul Seixas, Thelema, Sociedade Alternativa e suas músicas suspeitas.


O selo da A.'. A.'.

Neste momento, Paulo no auge de sua juventude, descobriria na magia a solução para todos os seus problemas. Após conhecer os livros de José Ramon Molinero, também conhecido como Yogakrisnanda, e tantos outros que viriam em seguida, dedicaria grande parte de seu tempo ao estudo e prática de tudo aquilo que se relacionasse com ocultismo. Dada sua imersão em tantos lugares e seu contato com os mais variados tipos de estudantes e loucos, recebeu um convite para escrever para uma revista dedicada a cultura hippie e esoterismo chamada A Pomba. Abandonou as aulas de teatro que dava em um cursinho e junto a Eduardo Prado lançaram em seguida outra publicação, de nome 2001. E foi em meio a toda esta conjuntura que conheceria aquele que se intitulava como herdeiro de Aleister Crowley no Brasil e suposto líder mundial da A.’. A.’. : Marcelo Ramos Motta.


Apesar das excentricidades, loucuras e o jeito pouco sociável de Motta, Paulo teria nele um tutor que junto a Euclydes Lacerda, o instruiria dentro do caminho do misticismo thelêmico. E a partir deste ponto os relatos relacionados a esta fase tão importante da vida de Paulo Coelho são pouco aprofundados pelo biógrafo e em muitos casos, cheios de erros. Fernando Morais, o jornalista que escreve este livro, se refere constantemente a Thelema como Satanismo. Entendemos que a falta de conhecimento sobre assuntos religiosos podem levar os menos estudados a conclusões precipitadas sobre o que um determinado grupo acredita ou pratica. Entretanto espera-se que um profissional da área de pesquisa seja imparcial em suas colocações e não haja de forma tendenciosa em seus relatos.


O selo da Sociedade Alternativa;
que praticamente nunca existiu  de fato.
Thelema é uma religião distinta mas isso não a torna satanista, a não ser para aqueles que possuem uma visão cristã de mundo.  


Em outro momento, numa tentativa frustrada de falar sobre Crowley e o Livro da Lei, confunde o mesmo com o Liber Oz:

Aleister Crowley tinha 23 anos quando diz ter recebido, na cidade do Cairo, uma entidade que lhe transmitiu o Liber Al vel Legis – ‘ O Livro da Lei de Thelema ‘ – ou apenas Liber Oz, como passaria a ser conhecida sua primeira e mais importante obra de cunho místico.

Ressaltamos para os menos esclarecidos que Liber AL e Liber Oz são livros distintos dentro da bibliografia thelêmica, sendo o primeiro o mais sagrado dividido em três capítulos atribuídos a três Deuses egípcios: Nuit, Hadit e Ra-Hoor-Khuit e o segundo sendo um livro de apenas uma página, destinado a falar sobre os parâmetros de liberdade absoluta oferecida ao ser humano, frequentemente lido por Raul Seixas quando em execução da música Sociedade Alternativa.

Ainda na página 285, e também em outros trechos, refere-se a OTO como seita, termo pejorativo usado frequentemente por adeptos do cristianismo para denegrir instituições outras que não pertençam a seu corpo doutrinário:

Em 1912 Crowley ingressa na seita Ordo Templi Orientis, uma organização de cunho maçônico, místico e mágico, da qual logo se tornaria o cabeça e principal teórico.  

E afirma que Paulo teria entrado na OTO quando o que nos é apresentado, é a carta de juramento do grau de Probacionista da A.’. A.’., datada de 19 de maio de 1974 da Era Comum, assinada com o moto de Frater Luz Eterna, ou simplesmente 313. Confusão típica de principiantes que acham que OTO e A.’. A.’. são uma mesma Ordem.

De sua parte, Coelho não fica pra trás, e apresenta um estranhíssimo ritual com Espada de São Jorge que atribui a Thelema, onde de ‘arma’ em punho, traçava os quadrantes com evocações específicas, partia a planta em onze pedaços, fervia e tomava um banho a meia noite com o líquido extraído, e após quase duas horas de ritual, conclui em seu diário que 'alguma coisa me leva a crer que o Demônio realmente existe.' 299

Não obstante, fala sobre o Ritual Menor do Pentagrama a que o autor se refere erroneamente como Ritual do Pentagrama Menor, numa versão inexistente tanto na A.’. A.’. quanto na Golden Dawn, Ordem na qual este ritual foi primeiramente apresentado, onde em sua bizarrice diz que o mesmo é uma

mandinga que consistia em estender no chão um lençol branco, sobre o qual pintava em verde uma estrela de cinco pontas. O desenho era cercado por um fio de barbante embebido em enxofre, com o qual Paulo desenhava o símbolo de Marte. Apagadas as luzes, uma única lâmpada era pendurada no teto, bem no centro do pentagrama, de forma a simular uma coluna de luz. Com uma espada na mão, inteiramente nu e voltado para o sul, ele pisava no centro do lençol, fazia o ‘asana do Dragão’ – posição, na ioga, em que a pessoa se acocora no chão – e passava a dar saltos para cima, como um sapo, enquanto repetia em voz alta invocações ao Demônio. 299

A terminologia tendenciosa, as confusões sobre as Ordens, e os rituais sem fundamento chocam os minimamente entendidos em assuntos ocultistas, mas em especial a Thelemitas e conhecedores desta fé. 
O selo da Ordo Templi Orientis,
ou simplesmente O.T.O


Sendo assim, nos resta a questão sobre quem afinal de contas culpar? O biógrafo que por sua notável ignorância em assuntos esotéricos se utiliza de um linguajar limitado e maniqueísta ao confundir a Ordo Templi Orientis com a A.’. A.’., ou associar Thelema com Satanismo, o que inegavelmente denuncia algumas falhas técnicas em seu trabalho de pesquisa e imparcialidade esperada em sua função jornalística. Motta e Euclydes que talvez tenham instruído pessimamente ao Frater Luz Eterna. Ou o próprio Paulo Coelho, que de forma ignorante, tendenciosa e ingrata permitiu que todos estes erros e incongruências fossem publicados sem as devidas correções, comentários ou notas de rodapé. O livro infelizmente não nos dá informações suficientes para responder estas perguntas.

Sua passagem pela religião de Aleister Crowley seria efêmera e contrastaria com a ideia de seu moto; após um ordálio onde se viu totalmente impotente, quando encontrava-se em sua casa e sentiu o cheiro de velas, tonturas, barulhos assustadores e ver seu apartamento tomado por uma bruma escura, no ápice de seu desespero e covardia, renunciou as suas ligações com aquilo que ele acreditava ser Thelema e bandeou-se de volta para o Cristianismo...religião a qual dedicaria sua fé de forma permanente. Anos passariam, tantas outras coisas aconteceriam, e após muito tempo de súplicas e promessas, finalmente veria conquistado o seu sonho de se tornar um dos escritores mais importantes do mundo.


Apesar do grande número de páginas, este é sem dúvidas um título cativante, que provavelmente te fará lê-lo de forma rápida e interessada. A história deste escritor contada por Morais é sem dúvidas proveitosa, a tal ponto que apesar de tantos relatos e vivências, a impressão que nos dá é que um tanto de outras deixaram de ser contadas. Longe de este ser um aspecto negativo desta biografia, é bem provável que apesar de terminar por duvidar do caráter de Paulo para conquistar seus objetivos, e da aparente ignorância de biógrafo e biografado sobre muitos aspectos apresentados que deveriam ser considerados importantes para um magista, para si uma conclusão é certa: o sucesso foi sua prova! 


Despidas as ilusões do 'super herói' ético e sábio, para nós talvez fosse melhor que o título se chamasse o Mágico, pois tal qual um exímio prestidigitador que com suas mãos habilidosas ilude o grande público com truques disfarçados de magia, aqui é o Coelho quem faz o mago sair da cartola.

por Allan Trindade


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