sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O mundo. É curioso notar a distinção existente entre nós, seres humanos e o resto da natureza. Se parar para pensar, a natureza com seus animais e plantas, parece seguir uma linha uniforme de vida, que nos dá a impressão de ser hoje exatamente aquilo que foi ontem. Não que esta ideia seja verdadeira, que de fato o mundo natural, distinto do hominal, seja comparável a um filme em eterno replay, repetindo nascimento, vida e morte de suas criaturas, sem qualquer pausa ou revolução. Se levarmos em consideração o argumento de alguns cientistas, é evidente que somos nós que não enxergamos as vicissitudes que nos cercam. Talvez o motivo para isto se dê pelo fato de que precisamos de impacto para perceber e recordar acontecimentos. Precisamos de mais do que aquela pseudo tranquilidade e certeza que a natureza pode nos dar. Precisamos de mais que a mera ideia de que a vida é feita de momentos pacatos e seguros...para muitos, uma vida assim, nem mesmo é vida. Precisamos de experiências fortes o suficiente que nos façam sentir que estamos vivos; precisamos de medo, prazer, cansaço, descanso, luta, revolução, vida e morte...do outro!

A morte do outro nos dá certo conforto, nos faz sentir vivos, nos causa o impacto que tanto necessitamos e nos faz aprender sobre métodos que nos distanciem cada vez mais da morte. A morte do outro tem então uma dupla função: nos ensina a viver e nos conforta. Os noticiários que mais dão audiência são aqueles das desgraças alheias. Os horários são então estratégicos: almoço e janta, para garantir que grande parte da família esteja reunida. Enquanto comemos a morte daquela natureza tão distinta de nós, nos tranquilizamos com a morte alheia tão aparentemente distante de nós. Aqui, neste mundo, é muito importante que não se tenha dúvidas: a morte deve pertencer ao outro, tão e somente! Nossa indiferença dá-se apenas àqueles que não são capazes de nos dar nada além da visão da morte e a ideia da continuidade desta vida. Se alguém que nos é caro morre, se alguém a quem estimamos nos deixa sem todos os outros tantos sentimentos que necessitamos, que apenas nós seres humanos carentes e famintos julgamo-nos merecedores de receber, isso não pode ser justo...e a única solução para esta injustiça é que a vida continue após a morte...e que além de tudo, nós possamos nos comunicar com ela!

Talking to the Dead é um livro escrito por Barbara Weisberg, dividido em cinco partes, com 19 capítulos e 324 páginas, publicado pela editora Harper One. Este é um título biográfico que nos conta sobre a vida das irmãs Fox e o nascimento do espiritualismo, conforme movimento religioso, dentro dos Estados Unidos. Advindas de uma família pobre, e de pais com problemas de relacionamento, as três irmãs: Maggie, Kate e Leah , viveram uma vida repleta de fama, problemas e controversas depois de seu primeiro contato com o "mundo espiritual".

Tudo começou em 1848, em Nova York, num período onde o rigor moral imperava num país ainda em processo de formação, e o dogmatismo cristão vigorava como único método de conduta e fé religiosa. Um escândalo para os fundamentalistas e uma piada de mau gosto para os céticos, as irmãs alegavam serem capazes de se comunicar com os espíritos e que estes podiam responder perguntas sobre o passado, o presente e o futuro e haviam lhes dado a incumbência de trazer a verdade de um mundo espiritual atuante, para o mundo material. A ideia era simples: os espíritos das pessoas não adormeciam junto de seus corpos mortos conforme era então ensinado por algumas linhas cristãs, continuavam vivos e conscientes em uma realidade paralela a nossa, e portanto passível de comunicação. Essa comunicação, no entanto, era um tanto deficiente, limitando-se a batidas que se ouviam por móveis e paredes, e sugeriam certa falha de contato dos então ditos espíritos para conosco e vice versa. Para a solução desta problemática, vivos e mortos estabeleceram um código baseado na quantidade de batidas, o que fazia com que, estas perguntas devessem ser feitas de forma clara, onde suas respostas se limitassem a um objetivo "sim" ou "não".

Décadas se passaram desde o primeiro contato e as irmãs conquistaram o amor, a indiferença e o ódio de muitos. Muitos daqueles que lhes eram simpáticos, e crentes nas manifestações que presenciavam, inclusive de forma pública e coletiva, não apenas lhes seguiam, como partiram, eles próprios, na tentativa deste contato com o outro mundo. A partir daí surgiriam médiuns por todo o país e continentes, alegando contatos cada vez mais íntimos e pirotécnicos com os espíritos; mesas que giravam, levitavam e batiam, espíritos que se materializavam e traziam mensagens de consolo para parentes e amigos, e outros tantos que exibiam luzes e fogos que flutuavam no ar.

Daqueles que duvidavam de seus feitos, e tantos outros que viam em toda esta histeria um perigo para sua própria fé, não mediram esforços para tentar desmascarar todas estas manifestações, que segundo eles, não passavam de charlatanismo e truques de prestidigitação. Dentro de seu principal argumento, diziam que as batidas ouvidas deviam-se a uma incrível e incomum capacidade, desenvolvida a partir de muito treino, de estalar as juntas dos ossos produzindo assim os sons ouvidos. Curioso é pensar sobre como, como quando nas exibições públicas em teatros, por exemplo, poderiam dezenas de pessoas ouvir o estalido da fricção de juntas ósseas de uma única pessoa...quem sabe a acústica explique...

A autora nos leva a vivenciar cada detalhe da vida das meninas e esta é, sem dúvida, uma biografia imparcial com uma impressionante pesquisa bibliográfica, digna de servir como exemplo para todos aqueles que se pretendem escrever um dia. Porém, toda este detalhismo é também seu ponto negativo, pois o livro é bastante extenso e muitas vezes lê-lo se torna um pouco cansativo.  Barbara Weisberg é sem dúvidas uma perfeccionista, e vai tão a fundo em sua pesquisa, que não se limita a tratar apenas de espiritualismo ou da vida desta controversa família. Nos traz dados históricos que nos projetam para um Estados Unidos do século XIX e não deixa brechas para que seus leitores se percam na ambientação de sua narrativa.

Envolvidas em toda esta trama estavam três irmãs que, no decorrer de todo este tempo e repletas de amores, fama, tristeza, dinheiro, drogas, elogios e acusações, viram no mundo espiritual uma chance de tornar as suas vidas, e a de tantos outros, muito mais vivas, mesmo que seja falando com os mortos.

por Allan Trindade



[ ATENÇÃO: este livro possui uma versão em português publicada no Brasil pela editora Nova Fronteira sob o título de " Falando com os Mortos ".  Infelizmente não tomei conhecimento desta informação a tempo e por este motivo esta resenha é baseada em sua versão estrangeira. Levando em consideração a possibilidade da qualidade idêntica a esta versão, e pela valorização de editoras que se dedicam ao trabalho de tradução de livros espiritualistas e ocultistas no Brasil, recomendo a compra de sua versão nacional.]

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